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Pandora e sua caixa, por George Hitchcock
Pandora e sua caixa, por George Hitchcock| Foto: Wikimedia Commons

Na mitologia grega, no afã de melhorar a qualidade de vida de nossos ancestrais, o titã Prometeu revelou-lhes os segredos do fogo. Zeus, o tonitruante e todo-poderoso senhor dos deuses e do mundo, vociferou furioso: “os homens estão se desenvolvendo tanto com o uso do fogo que em breve alcançarão os imortais deuses. Vingança, vingança!”

Pandora, a formosíssima primeira mulher criada por Zeus, foi oferecida a Prometeu, que a recusou temendo ser um ardil, e ela se casou com o irmão do titã. Pelas núpcias, Zeus presenteou Pandora com uma caixa, com a recomendação expressa de que jamais a abrisse. Vencida pela curiosidade, Pandora a abriu e viu saltarem de dentro dela todos os flagelos da humanidade – doenças, guerras, mortes, inveja, desentendimentos, pragas, violências, pobreza... Ao perceber que a liberação desses males estaria condenando a humanidade a uma vida de infortúnios, Pandora se apressou em fechar a caixa, porém lá permanecendo a esperança.

Nessa narrativa da antiga Grécia politeísta, os males liberados da caixa de Pandora são oportunidades de homens e mulheres se aperfeiçoarem por meio das adversidades e provas (ficou preservado o único dom positivo: a esperança) e, assim, manterem-se perseverantes, resilientes e enlevados. Manter acesas as chamas da esperança e do entusiasmo é o grande desafio da vida, pois querer escapar da dor é tentar fugir da própria condição humana.

Aliás, entusiasmo é uma palavra belíssima que provém do grego en-theo, que literalmente significa “deus dentro de si”. Para os gregos, quem carrega a chama esplendorosa do entusiasmo tem um deus dentro de si. Sejamos, portanto, arautos da esperança, que na sabedoria popular é a última que morre, da qual jamais devemos privar uma pessoa, pois talvez ela só tenha isso. Ao que o poeta pernambucano Manuel Bandeira bem complementa: “Ah, como dói quando falta esperança”.

Sejamos, portanto, arautos da esperança, que na sabedoria popular é a última que morre, da qual jamais devemos privar uma pessoa, pois talvez ela só tenha isso

Esperança tem etimologia no latim spes, que significa “confiança em algo positivo”. A vida é uma gangorra com seus altos e baixos, e Deus nunca nos dá tudo, mas também sempre temos muito a agradecer e a comemorar. Devemos manter sempre intensas as forças das boas energias, das preces, do pensamento positivo, da esperança, pois promovem curas e nos confortam em nossas agruras. Pouco podemos sem esperança, e muito podemos unindo a esperança a uma ação organizada. A busca do equilíbrio entre a espiritualidade, a materialidade e os bons afetos é a essência para uma vida de contentamento interior. E o nosso Mário Quintana, o poeta das coisas simples, se faz oportuno: “Que eu nunca deixe minha esperança ser abalada por palavras pessimistas”

E, neste início de um novo ano, após os estertores da superação de um segundo ano pandêmico, de perdas e isolamento social, há um renovar de esperanças, sobretudo uma disposição de sermos mais altruístas, com bons propósitos de ressignificar nossas atitudes de amor ao próximo. Afinal, “bondade também se aprende” – como bem ensina a poetisa goiana Cora Coralina. Nesse mister, o Brasil – que não é um país pobre, mas injusto – será salvo não apenas pelos governantes, mas pelas ações concretas de cada um de nós. Não podemos ficar indiferentes à cruel realidade de nossas crianças e jovens, carentes não só de alimento, saúde e boas escolas, mas também de esperança.

Parafraseando Dante Alighieri, os piores lugares do inferno deveriam ser reservados aos governantes populistas e malversadores do dinheiro público, pois geram miséria e infelicitam uma nação, tirando de seu povo um de seus maiores tesouros: sim, a esperança. A propósito, em um dos versos de sua monumental obra A Divina Comédia, o autor descreve em italiano a inscrição no frontispício do Portal do Inferno: Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate (“Deixai toda a esperança, vós que entrais”).

O que seria de nós sem a virtude da esperança? Conforme o mito de Pandora, ao abrir a caixa, os males e os tormentos se espraiaram por toda a superfície da Terra. Sem esperança, seria como transpor os umbrais do Portal de Dante, é certo, mas outros valores ou virtudes também merecem ser relembrados, entre eles os que São Paulo escreveu aos Coríntios: “assim, permanecem esses três: a fé, a esperança e o amor. O maior deles, porém, é o amor”.

Jacir J. Venturi, autor de livros, entre eles “Da Sabedoria Clássica à Popular”, é vice-presidente do Conselho Estadual de Educação do Paraná, foi diretor de escola e professor da UFPR, PUCPR e Universidade Positivo.

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