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Qual será o papel da agenda anticorrupção e da Lava Jato nas eleições de 2022
Manifestação a favor da Lava Jato e pelo impeachment de Dilma Rousseff, em 2015.| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo/Aqruivo

A maior operação anticorrupção da história do Brasil, subjetiva (pela qualidade e quantidade das pessoas e instituições envolvidas) e objetivamente (pela complexidade e grandiosidade dos atos de corrupção), vem sofrendo toda sorte de ataques, especialmente por parte de seus alvos. Iniciada em março de 2014, a Operação Lava Jato representa o segundo grande marco de um lento e inédito processo de enfrentamento não seletivo da corrupção envolvendo grandes empresas, empresários e agentes públicos brasileiros, inaugurado pelo histórico julgamento da Ação Penal 470 (o mensalão).

Além das inúmeras tentativas falaciosas de afastamento, por impedimento ou suspeição, de magistrados e membros do Ministério Público que atuaram nos processos penais, cabalmente rechaçadas em todos os graus de jurisdição possíveis, volta à tona o tema das pretensas comunicações entre eles, feitas por meio de aplicativos de comunicação instantânea, como pretexto para a anulação de atos processuais já realizados.

Em junho de 2019, a agência de notícias The Intercept Brasil divulgou uma série de mensagens que, segundo seus responsáveis, teriam sido trocadas entre membros do Ministério Público Federal integrantes da Operação Lava Jato e outros agentes públicos, destacadamente o então juiz federal competente para o julgamento dos processos penais em Curitiba. Segundo o referido veículo de informações, o magistrado teria violado seus deveres de imparcialidade e incorrido em suspeição, por ter atuado de forma coordenada com os procuradores da República, sugerido meios e momentos de produção de provas e aconselhado os acusadores na condução dos trabalhos da operação.

Prontamente, as defesas técnicas dos investigados, acusados e daqueles que já ostentam condenações confirmadas até pelo Supremo Tribunal Federal encamparam essa narrativa apocalíptica e passaram a buscar do Poder Judiciário as mais diversas nulidades, no intento de fulminar todos os resultados já produzidos pela mencionada operação.

No dia 1.º de fevereiro de 2021, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), levantou o sigilo que havia imposto aos autos da Reclamação (RCL) 43007, garantindo à defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acesso aos arquivos da Operação Spoofing, que investiga a invasão de dispositivos eletrônicos de autoridades atuantes no caso Lava Jato, a obtenção e publicação ilícita de conteúdo de supostas comunicações entre elas.

A análise crítica de todos esses fatos há de partir da incontestável premissa de que os dados mencionados pela reportagem foram, conforme apuração da Polícia Federal na Operação Spoofing, obtidos de forma criminosa e não tiveram sua autenticidade reconhecida pelos interlocutores e nem pelo exame pericial realizado pela PF.

De plano, o meio de obtenção dessas provas – captação ilícita dos dados e de sua comunicação – viola o artigo 5.º, incisos XII e LVI, da Constituição da República de 1988 e do artigo 157 do Código de Processo Penal, consubstanciando-se prova ilícita, imprestável para produzir efeitos modificativos ou desconstitutivos sobre quaisquer atos processuais da Operação Lava Jato.

Ainda que se possa aventar a tese da excepcional utilização válida dessas provas nos processos penais em benefício dos envolvidos, o conteúdo dessas comunicações não traz qualquer hipótese de subsunção às causas de impedimento ou suspeição do juiz ou dos membros do MPF atuantes nos casos.

O cerne da questão e objeto de prova – a comunicação prévia entre o juiz criminal e as partes do processo penal – não encontra nenhum óbice em nossa legislação, especialmente no que respeita à produção probatória, a bem do devido processo legal e da eficiente prestação jurisdicional; ao contrário, os incisos do artigo 156 do Código de Processo Penal facultam ao juiz, de ofício, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida, bem como a determinação, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, da realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. O que lhe é vedado, entretanto, é antecipar a qualquer das partes o seu juízo condenatório ou absolutório, condicionando-o à produção de determinada prova. Em outras palavras, se o juiz não vindicar uma tendência a somente adotar determinada posição favorável exclusivamente a uma das partes, não se vislumbra qualquer vício de parcialidade, afastando-se qualquer nulidade.

Embora seja inconveniente aos que sustentam as mais diversas teses de nulidade dos processos da Operação Lava Jato, cumpre lembrar, por medida de justiça, que diversos dos acusados foram absolvidos pelo mesmo juiz a quem se imputa favorecimento à acusação, contra a qual também indeferiu diversos requerimentos de produção probatória. Igualmente, falta coerência argumentativa, e sobra hipocrisia, aos que se olvidam dos inúmeros episódios de comunicação prévia, e por vezes até informal, entre a defesa “técnica” e o juiz, não raras vezes permeadas por relações de amizade íntima entre altos causídicos e magistrados – esses, sim, passíveis de impedimento ou suspeição –, como sói ocorrer nos casos em curso perante o Supremo Tribunal Federal.

A Lava Jato, que foi e ainda é sujeito dos mais intensos e rigorosos controles institucionais (interno e externo, preventivo e repressivo) e sociais, com meios e resultados já chancelados por todas as instâncias jurisdicionais do país, sofreu, recentemente, mais um duro golpe, que se inclui no rol de técnicas que a psicologia e a criminologia chamam de “neutralização” (condenação dos perseguidores e condenadores): o fim das atividades exclusivas do grupo de trabalho designado para a operação.

Esses acontecimentos, aliados aos parcos esforços de implementação de uma efetiva agenda anticorrupção no Brasil, em especial referentes à própria Lava Jato – cujos resultados positivos, propositalmente esquecidos por interessados na impunidade, somente sob o aspecto econômico, perfazem a monta esperada de R$ 14,7 bilhões –, devem servir de alerta máximo às próprias instituições, para que, legitimamente, reivindiquem a imprescindível independência na execução eficiente das medidas anticorrupção e à própria sociedade, para que exerça mais ativamente e por todos os meios possíveis o controle dessas políticas públicas recomendadas por todas as convenções e tratados internacionais específicos de que o Brasil é signatário e ordenada pela própria Constituição da República de 1988.

Somente assim avançaremos na reversão do fluxo do círculo vicioso de corrupção sistêmica, endêmica e institucionalizada que assola nosso país há séculos, para a construção de “círculo virtuoso de integridade”, capaz de impulsionar a concretização dos ideais republicanos, democráticos e dos direitos fundamentais necessários ao nosso desenvolvimento com equidade e justiça sociais.

Rodrigo Otávio Mazieiro Wanis, mestre e doutorando em Direito, é promotor de Justiça.

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