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Ilustração: Felipe Lima
Ilustração: Felipe Lima| Foto:

Estamos diante de uma época em que, para muitos, os rendimentos não são capazes de durar um mês inteiro. Em uma simples rolagem pelas postagens de redes sociais vemos diversos memes sobre a falta de dinheiro no fim do mês; alguns até brincam e literalmente sorteiam as contas que serão pagas naquele mês.

Com a usual falta de dinheiro, é comum evitar passeios em família ou com amigos, passar a preferir um filme em casa a uma sessão de cinema. Com isso, os fornecedores acabam ganhando menos e também entram em dificuldade.

Diante desta situação, o governo federal está ventilando a ideia de liberar o saque em contas ativas do FGTS. Esta proposta é feita com a justificativa de que a liberação do saque irá “aquecer a economia”, permitindo que voltemos a comprar e não apenas “pagar contas”.

A liberação de valores do FGTS sem qualquer preparo ou orientação adequada é um convite ao endividamento

Não me oponho à liberação do saque do FGTS para que o trabalhador faça dele o que bem entender; mas uma liberação sob a bandeira do “aquecimento da economia” traz consigo uma série de possibilidades que podem realmente complicar mais a vida do brasileiro.

Na situação atual, há diversas condições e regras para que o saque dos valores do FGTS seja autorizado. Querendo ou não, o brasileiro está acostumado a isso, acostumado a não contar com esse dinheiro no dia a dia. Mas, a partir do momento em que for autorizado o saque, da noite para o dia teremos acesso a valores que não fazem parte do orçamento mensal de cada um. Alguns certamente se perguntarão “e agora, o que fazer? Devo pagar minhas dívidas ou devo comprar aquele celular novo que acabou de lançar?”

O acesso a esses valores, da forma que vem sendo sugerida, pode, inicialmente, movimentar a economia, levando à compra de produtos e contratação de serviços, o que realmente aquece a economia. Mas o Brasil é palco de um cenário preocupante: o do superendividamento. De acordo com pesquisas de 2018 da Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas e do SPC- Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito), temos aproximadamente 60 milhões de brasileiros endividados, e ao menos metade destes vive o que se convencionou chamar de superendividamento. Este fenômeno é causado pelo consumo excessivo e desregrado que muitos brasileiros têm.

Leia também: Uma boa notícia, mas de impacto incerto (artigo Rodolfo Coelho Prates, doutor em Economia e professor do curso de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná)

A liberação de valores do FGTS sem qualquer preparo ou orientação adequada é um convite ao endividamento, visto que são valores fora do orçamento e que a manutenção de novas aquisições certamente não irá se acomodar no orçamento mensal “usual”. Estaremos sujeitos também às ações de empresa que buscam vender seus produtos e serviços, oferecendo aos consumidores oportunidades de crédito com base em seu saldo do FGTS, levando pessoas a se endividarem antes mesmo de conseguirem ter acesso ao dinheiro.

Embora não seja desfavorável à liberdade de acesso ao saldo do FGTS pelos trabalhadores brasileiros, não vejo como ser favorável à liberação imediata e despreparada destes valores, pois, ainda que ela inicialmente e superficialmente “aqueça” a economia, a consequência quase certa será o endividamento e a inadimplência. Portanto, a cautela e o planejamento financeiro serão os maiores aliados dos brasileiros, caso seja autorizado o saque do saldo do FGTS.

Victor Hugo Alves Cardoso é advogado especialista em Direito Civil e Processo Civil.

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