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A administração pública brasileira possui, na prática, duas diretrizes fundamentais: facilitar a vida de quem manda e reeleger quem está no poder. Essas duas diretrizes moldam uma administração que coloca os interesses particulares acima do bem comum. É notório que as ações políticas são feitas com vistas aos ganhos eleitorais que elas podem trazer, e não ao interesse público. O que não é muito notado é que as ações na administração pública são realizadas com vistas a facilitar o trabalho daqueles que mandam, e não com interesse institucional. A prorrogação súbita do mandato de diretores das escolas estaduais paranaenses e a proposta de acabar com o limite de reeleições escolares parecem ilustrar bem o funcionamento da administração pública brasileira.

No último dia 4 de novembro, a Assembleia Legislativa do Paraná prorrogou em um ano o mandato dos atuais diretores das escolas estaduais. Essa ação possui duas arbitrariedades. Em primeiro lugar, não foi considerada a posição da categoria (professores, pedagogos, funcionários e diretores), representada pelo sindicato dos professores. Foi levado em conta o pedido dos diretores que querem se perpetuar no poder das escolas. O interesse de uns foi colocado acima do interesse da categoria como um todo. Em segundo lugar, não foi respeitada qualquer carência para a vigência da nova regra. A prorrogação ocorreu com o processo eleitoral das escolas em andamento e de forma imediata, beneficiando apenas uma pequena parte de pessoas. Essas duas situações ilustram bem o problema das arbitrariedades: os interesses particulares são impostos em detrimento dos interesses coletivos. E é justamente para evitar arbitrariedades que existe carência para a vigência de novas leis e regras, e existe a democracia.

Vale lembrar que os deputados adiaram a votação sobre o fim da reeleição da Mesa Executiva da Assembleia Legislativa. Cabe a pergunta: por que não adiaram também a votação sobre a prorrogação dos diretores escolares, já que o processo eleitoral das escolas estava em andamento? Além do mais, caso fosse votado o fim da reeleição da Mesa Executiva, a nova regra só iria valer a partir da nova gestão. Outra pergunta: por que neste caso vai ser respeitada a carência, mas no caso dos diretores escolares a implementação foi imediata?

O deputado estadual Luiz Romanelli disse, em artigo publicado na Gazeta do Povo, que está propondo acabar com o limite de reeleições para diretor escolar e com a atual fórmula de apuração de votos. O deputado justifica as duas propostas alegando que o aspecto fundamental da democracia é o voto. Para ele, o voto de todos tem de ter o mesmo peso e o limite de reeleição não pode impedir o voto a ninguém.

Sobre a mudança na fórmula de apuração de votos, é muito questionável que pessoas em estágio inicial de formação intelectual e que não vão passar muito tempo em uma escola possam decidir os rumos da instituição. Por serem imensa maioria na escola, os alunos sempre vão ser determinantes na votação para diretor. Assim, é muito provável que sejam eleitos os funcionários que coloquem a vontade dos alunos acima dos interesses institucionais da escola, como o ensino. O inspetor que sempre deixa o aluno atrasado entrar, o professor que passa todos de ano sem cobrar o conteúdo necessário, o diretor que não pune a indisciplina do aluno e o pedagogo que sempre defende o aluno que não se esforça terão grandes chances de se eleger. Já aqueles funcionários que exercem sua profissão adequadamente terão pouquíssimas chances. Esse quadro não me parece o da escola de qualidade e democrática de que precisamos.

Quanto ao fim do limite de reeleição para diretores, basta olhar para as escolas onde os diretores estão há mais de dez anos no cargo. Nestas escolas, a maior parte das ações é feita para o bem do diretor. O nome que se dá para isso é aparelhamento político. O diretor trabalha para manter as pessoas com quem possui afinidades eletivas, e não os profissionais mais capacitados. As decisões pedagógicas são tomadas a fim de poupar trabalho para o diretor. Uma delas é a de procurar fazer o professor ceder em alguma medida educacional, já que é mais fácil convencer uma pessoa adulta e educada do que quatro ou cinco alunos indisciplinados. O simples uso de um data show passa a ser de uso restrito da direção, que não quer que ele seja desgastado em sala de aula. Em suma, com um diretor há muito tempo no poder a escola passa a funcionar em função dos interesses desse diretor, que com muita facilidade, em virtude desse aparelhamento, conseguirá ser reeleito. Nesta circunstância, também fica fácil os governos aparelharem politicamente as escolas.

Como podemos ver, esse "impulso democrático" nas escolas públicas pretendido pelos governantes não pode ser mais perigoso. É perigoso porque desvia ainda mais a escola de sua função principal, que é o ensino, perdendo a qualidade. E é perigoso também porque permite que algumas pessoas se considerem infalíveis, ficando acima do bem e do mal. Até onde sei, a democracia serve para inibir tal situação.

Thiago Melo é professor de Filosofia na rede estadual de ensino.

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