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No manifesto de profissionais da área jurídica contra a Lava Jato (o título era bem mais pomposo, mas basta esta síntese) divulgado dias atrás, os responsáveis pelas investigações foram acusados de “pressionar instâncias do Poder Judiciário a manter injustas e desnecessárias medidas restritivas de direitos e prisões provisórias, engrenagem fundamental do programa de coerção estatal à celebração de acordos de delação premiada”. Repetiu-se, no manifesto, a cantilena que as defesas de diversos réus têm desfiado em vários processos e fora destes: os acordos de colaboração são inválidos porque obtidos mediante coerção – ou tortura, como também costumam falar. Entenda-se por “tortura” prisões decretadas contra partícipes dos mesmos crimes cometidos por seus clientes, mas que, diferentemente deles, optaram por colaborar com a Justiça em troca de alguns benefícios, como redução de pena.

É falsa a alegação de que “o Ministério Público prende para forçar a colaboração” – o termo “delação” carrega sentido pejorativo e o colaborador da Justiça faz mais que simplesmente “delatar”. O MP apenas pede as prisões; quem as decreta é a Justiça, para evitar a prática de novos crimes, para resguardar investigações e processos e para assegurar a aplicação da lei penal, exatamente como prevê nosso Código de Processo Penal. Revelando que as prisões nada têm de arbitrárias, os tribunais, como se sabe, as têm mantido. Do juiz federal em Curitiba aos ministros do Supremo Tribunal Federal, são todos torturadores?

O erro fundamental é ignorar que a colaboração premiada não é somente uma técnica de investigação: ela é, antes de tudo, um direito do investigado

Mas o principal fato a evidenciar que a alegação não procede é que cerca de 70% dos colaboradores estavam soltos quando fecharam o acordo com o Ministério Público e outros, presos, continuaram presos mesmo depois de fechar o acordo. Se o que levasse às colaborações fossem as prisões cautelares, como explicar isso?

De todo esse quadro, o que soa mais incrível é a muito repetida afirmação de que são contrários à colaboração premiada porque ela “viola direitos fundamentais dos investigados”; criticam-na por não compactuarem com que pessoas sejam “coagidas, mediante tortura, a colaborar com a Justiça”. Autointitulam-se garantistas (não o são). Alguns chegam ao cúmulo de bradar que a colaboração deveria ser proibida caso a pessoa esteja presa – logo aquela em situação processual mais vulnerável. O erro fundamental dessa linha de pensamento é ignorar que a colaboração premiada não é somente uma técnica de investigação: a colaboração é, antes de tudo, um direito do investigado. Os críticos da colaboração querem, na verdade, cercear um direito, acabando com a possibilidade de que o investigado ou acusado, preso ou solto, celebre o acordo e receba benefícios previstos em lei. Só esqueceram de perguntar se os colaboradores, os pretensos “protegidos” por suas críticas à colaboração, concordariam que fossem impedidos de exercer tal direito.

Embora seja certo que muitos doutrinadores e profissionais são contrários à colaboração premiada por terem suas convicções jurídicas, não se pode ignorar os interesses por trás das críticas. Alguns querem impedir as colaborações não para proteger colaboradores, mas para proteger clientes potencialmente prejudicados pelas colaborações.

Bruno Calabrich, mestre em Direitos Fundamentais, é procurador regional da República em Brasília e membro do grupo de trabalho da PGR para o caso Lava Jato no STF.
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