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É famosa a pergunta de Stálin: quantas divisões militares tem o papa? Nenhuma. Por isso sua relevância seria irrisória para o ditador. Mas eis que os tempos passaram, o império soviético, com seu exército e suas armas, se foi em míseros 80 anos, e a Igreja milenar e seu frágil líder continuam aí.

Outros me lembram como os católicos são inconstantes, pouco afeitos à própria moral sexual católica etc. Certa vez ouvi dizerem a um bispo que os jovens poloneses que foram a Roma, nos funerais de João Paulo II, emporcalharam a cidade com suas camisinhas. O bispo respondeu: pode ser, mas mesmo assim eles quiseram estar ali, por que será?

Analisando as repercussões da nova encíclica “ecológica” do papa Francisco, Laudato si’, um acadêmico especializado em ecologia explicou que os líderes dos países não tinham motivos para seguir as indicações deste homem sem poder político e numa instituição de influência cultural declinante. A encíclica serviria para a opinião pública – modo educado de dizer que serve para quase nada.

Contudo, este homem sem forças políticas, escolhido para dirigir uma Igreja que enfrentava uma grave crise institucional, rapidamente se tornou o líder mais amado e com maior autoridade moral do planeta. O coração do ser humano pode se dobrar ao poder, mas na verdade deseja o verdadeiro e o bom, no qual ele acaba por reconhecer o belo.

A guerra do meio ambiente não é só do papa, mas de toda a humanidade

Esta é a estranha descoberta que a Igreja fez no segundo milênio de sua história: a perda de poder político, de capacidade de determinar a moral social, não retira a sua importância e a sua fecundidade, porque ela não se manifesta com a força do poder (pelo contrário), mas sim com a autoridade do amor – palavra aparentemente ilusória, mas que outras os homens tanto desejaram e às quais tanto esforço dedicaram?

É com estas “divisões” que o papa Francisco entra na guerra ambientalista. O campo de batalha está devastado pela solidão do individualismo e os guerreiros vitoriosos, quando sóbrios, olham para a pilhagem e dizem “embriaguemo-nos para esquecer que o saque não valeu a batalha”.

As divisões do papa, invisíveis e frágeis, vêm dizer que a vegetação ainda pode brotar nos campos devastados, que a paz pode substituir a batalha e que a embriaguez do esquecimento pode ser substituída pela alegria da festa. E as pessoas esperam ansiosas por esta “boa nova”.

A guerra do meio ambiente não é só do papa, mas de toda a humanidade. Não será ele, nem sua Igreja, a vencê-la sozinho. Mas os homens lutarão com redobrada força e alegria por terem este aliado com eles. Francisco vem para “levantar o moral da tropa”, e a recepção dada à encíclica no mundo todo mostra que esta contribuição é muito bem-vinda.

Faz isso mostrando o quanto esperamos por um olhar amoroso, pela afirmação de um sentido para a vida, por ter o coração aquecido pela solidariedade para com o fraco e para com aquele que sofre. Essas são as armas com as quais reforça a guerra pelo meio ambiente.

Lá no fundo, deixa entreaberta a porta do pedido por um Deus de amor para toda a humanidade. Mas, como ele mesmo disse, esta encíclica é para todos – e não só para os católicos.

Francisco Borba Ribeiro Neto, biólogo e sociólogo, é coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP e foi professor de Ecologia na PUC-Campinas.
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