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Bolsonaro e os comandantes das três Forças Armadas: presidente quer militares monitorando a contagem de votos| Foto: Isac Nobrega/PR

Durante recente participação em um evento internacional, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, ao tratar das eleições deste ano asseverou que as Forças Armadas, “gentilmente convidadas a participar do processo, estão sendo orientadas para atacar o processo e tentar desacreditá-lo”. Disse também que existe a tentativa de transformá-las em “um varejo da política”, o que representaria uma “tragédia” para o país.

Logo a seguir, o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio de Oliveira, declarou que “afirmar que as Forças Armadas foram orientadas a atacar o sistema eleitoral, ainda mais sem a apresentação de qualquer prova ou evidência de quem orientou ou como isso aconteceu, é irresponsável e constitui-se em ofensa grave a essas instituições nacionais permanentes do Estado brasileiro”. Afirmou também que o citado pronunciamento “afeta a ética, a harmonia e o respeito entre as instituições”.

Exposta a contenda, apareceram os recorrentes pronunciamentos nos meios de comunicação. Dentre eles, o do general Ramos, que destacou o papel dos militares ao afiançar que “defender a soberania nacional é dever das Forças Armadas. Eleições democráticas e transparentes fazem de nós um país soberano, por isso, nossas FA estarão sempre vigilantes pelo bem do nosso povo”. A deputada Gleisi Hoffmann expôs não caber “ao ministro da Defesa opinar sobre o processo eleitoral. Não cabe aos comandantes militares tutelar o processo político”.

Primeiramente, cabe ressaltar que a cabulosa ingerência dos militares na vida do país vem desde a Proclamação da República através do uso do poder moderador, da instauração dos governos castrenses durante 20 anos, da ocupação de milhares de cargos no governo atual, da militarização da polícia, da educação e das eleições. A maioria dos integrantes da elite política e econômica do país nunca questionou esta interferência, enquanto muitos outros não só concordaram com ela como a incentivaram. Nossos parlamentares, até hoje, praticamente nada fizeram para aperfeiçoar o controle democrático das Forças Armadas.

No caso das eleições, vale recordar os registros da história. Na década de 20 do século passado, o movimento tenentista defendeu a institucionalização do voto secreto. Em 1930, após a intervenção militar, ocorreu um processo de reforma eleitoral, porém mais adiante a Justiça Eleitoral foi extinta, os partidos políticos foram abolidos e as eleições foram suspensas. A ditadura civil-militar de 1964 estabeleceu o uso do voto apenas para deputados federais, estaduais e vereadores. No ano de 2018 emergiu a pressão do general Villas Bôas sobre o STF e a mobilização de hostes castrenses a favor do atual primeiro mandatário. Mencione-se também a contribuição dos fardados à construção da urna eletrônica e o fornecimento de suporte e de segurança por parte deles aos escrutínios nacionais. Atualmente ocorreu uma rápida ocupação no TSE de cargo de chefia por um general, a equipe castrense de cibersegurança integra a Comissão de Transparência das Eleições e as tropas já se encontram disponíveis para a realização de tarefas a partir do mês de setembro.

Cabe observar que a presença de militares em processos eleitorais também acontece em outros países. Na Índia, especialmente na Caxemira, os fardados atuam nas áreas propensas à militância e ao terrorismo, realizam a higienização das assembleias de voto e vistoriam as estradas para que fiquem livres de explosivos usados na mineração. No México, eles guardam e protegem o material entregue nos escritórios distritais eleitorais em todo o país. Nos Estados Unidos o Comando Cibernético age para garantir a segurança das eleições.

Faz-se necessário ressaltar que a militarização das eleições em nosso país, no momento atual, se deve à iniciativa de ministros do TSE. E já foi aventado que ela estaria a serviço do esvaziamento da narrativa de que este tribunal estaria conspirando contra a reeleição do atual presidente da República, ou de que a mesma teria a ver com o receio dos ministros em relação à elevada temperatura política interna resultante da campanha eleitoral e dos resultados das urnas.

Embora isto possa ser verdadeiro, o fato é que os funcionários fardados, particularmente os integrantes da equipe de cibersegurança, encaram esta atividade de modo singular, ou seja, de acordo com a perspectiva referente ao cumprimento de missão, a qual faz parte do seu código de ética. Ela é entendida como um compromisso, um dever, uma incumbência que tem de ser obrigatoriamente executada da melhor forma possível. Portanto, eles tendem a não aceitar um papel suplementar e nem arcar com a função de garantidores da segurança das urnas.

Esta perspectiva torna extremamente difícil validar a posição do ministro Barroso, mesmo ele apontando os fatores que a embasam: a declaração do atual presidente da República a respeito de o Exército ter identificado incongruências no sistema eleitoral, o vazamento para a imprensa dos questionamentos militares pertinentes às urnas eletrônicas, e o discurso do primeiro mandatário na comemoração do Dia do Exército.

Também concorre para o enfraquecimento de sua posição o comportamento dos fardados desde o processo de redemocratização do país. Com efeito, a partir desta época até os dias que correm eles vêm exibindo uma conduta adequada ao regime democrático, a qual, inclusive, foi admitida pelo referido ministro quando disse que “se teve uma instituição de onde não veio notícia ruim e que teve um comportamento exemplar, foram as Forças Armadas”. E, apesar de alguns deslizes cometidos pelos militares no presente devido ao fato de a grande maioria deles ter optado por Bolsonaro, ficou claro que eles resistiram à conduta de cooptação para com seu projeto populista de governo.

Cabe destacar, ainda, que os militares brasileiros apresentam uma particularidade singular. De maneira diferente do que acontece em outros países regidos pela democracia, onde o controle democrático das instituições bélicas é rigoroso, eles exibem uma autonomia de nível muito elevado, o que é inaceitável, já sobejamente evidenciado pelos estudiosos do assunto. Assim sendo, a ideia de que os mesmos foram orientados a atacar e desacreditar o processo eleitoral é muito difícil de ser sustentada.

É viável inferir, então, que a pressão dos acontecimentos e a controversa interpretação  baseada nos três fatores mencionados levaram o ministro Barroso a externar sua refutável posição no evento internacional. E ela acontece em um momento muito delicado e ruim do cenário interno porquanto agrega uma séria desarmonia entre os três poderes da República, um processo eleitoral carregado de percalços e incertezas que tende ao acirramento, e uma inoportuna fragilização do TSE e do STF. Entretanto, já passamos por diversas situações tão complexas como a atual e a superação aconteceu. Assim sendo, é bem possível que ela também seja ultrapassada pela marcha do tempo e pelos ajustes que obrigatoriamente deverão ser concretizados.

Antonio Carlos Will Ludwig é professor aposentado da Academia da Força Aérea, pós-doutorado em Educação e autor de “Democracia e Ensino Militar” e “A Reforma do Ensino Médio e a Formação Para a Cidadania”.

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