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A imagem mostra milhares de pessoas nas ruas do Rio de Janeiro em protesto contra bloqueios no orçamento da Educação.
Protesto contra bloqueios no orçamento da Educação, no Rio de Janeiro.| Foto: Mauro Pimentel/AFP

A última quarta-feira (15 de maio) foi palco da maior manifestação contra o governo Bolsonaro, especialmente em relação ao contingenciamento (termo do governo) ou corte (termo dos opositores) de recursos para a área da educação. A manifestação não pode ser tomada por uma fotografia da realidade e sim como um filme que assistimos desde o início da atual gestão.

Singularmente, a tomada das ruas nos remete à recente memória das manifestações em 2013 e dos protestos contra o PT e a favor do impeachment da presidente Dilma. Assim, sempre que tais eventos ocorrem, acende uma luz de alerta nos governantes, em particular, e na classe política em geral. Políticos não querem e temem manifestações massivas que tomam as ruas do país. Em entrevista rápida, o vice-presidente, Hamilton Mourão, foi de uma clareza ímpar ao explicar a diferença de corte e contingenciamento, bem como afirmou que a presença do ministro da Educação, Abraham Weintraub, na Câmara dos Deputados, seria excelente oportunidade para que ele possa “explicar direitinho” o cenário. E, por fim, Mourão arrematou criticando a comunicação errática do próprio governo. Em síntese, em poucos minutos o vice foi capaz de fazer aquilo que nem o presidente e nem o ministro conseguiram até agora.

A forma como o atual ministro conduz sua pasta é assentada numa visão estreita e equivocada sobre a educação brasileira

Bolsonaro, dos EUA, afirmou que os manifestantes são “idiotas úteis” e “massa de manobra”. Obviamente, houve no protesto presença de partidos de oposição, de sindicatos e movimentos de esquerda. Isso é inegável. Todavia, afirmar, peremptoriamente, que são idiotas e massa de manobra é desconhecer a própria dinâmica de uma sociedade em rede e hiperconectada. Collor não entendeu os primeiros protestos contra seu governo; Dilma também não, chamando, emergencialmente, Lula e seu marqueteiro para entender o quadro então em voga. A forma como o atual ministro conduz sua pasta é assentada numa visão estreita e equivocada sobre a educação brasileira, cujo objetivo é eleger inimigos a serem eliminados: Paulo Freire, Filosofia, Sociologia e as Humanidades. Atacar a universidade pública tem consequências internas e externas: a reação vem da comunidade acadêmica e da sociedade.

No plano mais geral, a manifestação é parte de um filme e aí reside o maior problema de Bolsonaro. Conjuga-se, neste momento, 1) uma massiva manifestação com 2) uma popularidade que despencou de janeiro até março e 3) com a incapacidade do governo de fazer política e formar uma base que dê sustentação às ações governamentais. Bolsonaro insistiu no discurso de campanha mesmo já empossado. Dividiu a todos em “nova” e “velha” política, interditando o diálogo, a negociação com partidos, lideranças e demais atores políticos. A própria convocação de Weintraub para se explicar na Câmara é só uma das várias derrotas sofridas pelo Planalto. Dilma, à sua época, irritou o eleitorado, a sociedade, não ouviu e não entendeu as vozes das ruas, irritou a classe política e cometeu crime de responsabilidade. Bolsonaro, até onde sabemos, não tem problemas com a Justiça. No mais, Bolsonaro já “dilmou”. A depender da resposta governamental, as manifestações podem tomar outras dimensões e, com isso, deteriorar ainda mais um governo precocemente desgastado.

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Governar elegendo inimigos (imprensa, universidade, esquerdas, marxismo cultural, etc.) tem seu preço: anima os bolsonaristas, mas leva às ruas milhões de vozes plurais, não apenas partidos ou movimentos. Bolsonaro flerta com algo que pode fugir do controle e colocar sua governabilidade em xeque.

Rodrigo Augusto Prando é Cientista Político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. É Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp/FCLAr.

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