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A Sra. T., 75 anos, começou a fazer terapia comigo depois que um homem a assaltou. O sujeito estava dentro do carro e a atraiu com a desculpa de querer informações; quando ela chegou mais perto, ele agarrou sua bolsa e acelerou. Com isso, foi arrastada quase meio quarteirão antes de conseguir se soltar. Quando a vi, um mês após o incidente, ela ainda estava se recuperando das dores físicas e emocionais resultantes da experiência traumática.

Mãe solteira, a Sra. T. criou três filhos bem-sucedidos e construiu uma carreira próspera como diretora de uma agência de serviço social. Já tinha passado por dificuldades antes, mas sempre fora capaz de vencê-las; agora, entretanto, se sentia constrangida por não conseguir “superar” o que acontecera. Não queria demonstrar aos filhos sua “fraqueza”, nem ter de contar com o apoio deles. Teoricamente, acreditava em terapia, mas sentia vergonha por precisar se submeter a ela. Já não se via como “a negra forte” que fora um dia.

Esse é um ícone cultural, nascido da resiliência feminina negra de cor à opressão sistêmica que destrói famílias e faz da estabilidade econômica um desafio extraordinário. Ela é autossuficiente e altruísta a ponto de se sacrificar; garante o sustento, cuida de todos e da casa. E geralmente é uma sofredora.

Como terapeuta, atendo gente de todas as classes socioeconômicas e esferas raciais. Sou a única psicóloga clínica negra do Departamento de Psiquiatria da Universidade Northwestern e as mulheres negras chegam a mim em segredo, sentindo-se sós e acanhadas; vão ao consultório mesmo com os amigos e familiares lhes dizendo “para rezar”. Chegam a mim porque estão “desesperadas” e “não aguentam mais”. Recebo pedidos constantes de consultas informais através de e-mail, do LinkedIn, até do Facebook. Elas não acreditam muito em tratamento de saúde mental. Não querem terapia, só conversar, quem sabe algum conselho.

Estamos sofrendo em silêncio com as consequências físicas e mentais de carregar o fardo das responsabilidades familiares, profissionais e comunitárias

Mesmo no espaço seguro e confidencial do consultório, mantêm a imagem pública de força, sem perceber que há uma comunidade secreta de Mulheres Negras Fortes que compartilham a mesma angústia.

Muitas, inclusive eu mesma, encarnam o estereótipo com honra. Temos orgulho de nossa obstinação e nunca deixamos que o mundo nos veja fraquejar – mas estamos sofrendo em silêncio com as consequências físicas e mentais de carregar o fardo das responsabilidades familiares, profissionais e comunitárias, agravadas por experiências de traumas e perdas, em um ambiente de discriminação generalizada de raça e gênero.

As negras têm maiores probabilidades que as brancas de sofrer do estresse pós-traumático resultante de maus-tratos na infância e violência física e sexual, como também do esgotamento relacionado à família, o emprego, as finanças, discriminação ou racismo e a insegurança associada à vida em bairros onde a criminalidade é alta. As negras têm mais probabilidades de sofrer de depressão – e quando isso acontece, os sintomas são mais graves, duram mais tempo e têm mais chances de interferir em sua capacidade de atuação no trabalho, na escola e em casa. As negras estão mais propensas a desenvolver tristeza, desesperança e desvalorização.

Apesar de tudo isso, menos de 50% das negras adultas com necessidades mentais recebem tratamento. A vergonha é o principal empecilho. E geralmente preferem um(a) profissional negro(a), embora haja poucos assistentes sociais, psicólogos e psiquiatras de cor. Nas comunidades de baixa renda, esses serviços são raros e as listas de espera, longas. Para piorar, mais de 16% delas não têm seguro-saúde, e a maioria não tem condições de arcar com o tratamento.

Enquanto isso, o desgaste psicológico de ser uma “mulher negra forte” afeta a mente e o corpo.

Tradicionalmente, ela busca força em Deus. A igreja oferece um espaço para o companheirismo, o apoio social e a orientação espiritual; entretanto, nem sempre aprova o tratamento secular da saúde mental e os fiéis podem achar que sua fé está sendo posta à prova se procurarem uma ajuda extra.

Paulo Cruz: O Black Lives Matter e o racismo ideológico (publicado em 31 de julho 2016)

Leia também: Álcool, depressão e suicídio (artigo de Diana de Lima e Silva, publicado em 28 de setembro de 2017)

Para substituir a terapia, algumas pessoas lidam com a ansiedade consumindo alimentos nocivos e/ou comendo demais, fumando, abusando das bebidas alcoólicas, passando tempo demais na cama ou vendo tevê – e, embora esses comportamentos até ofereçam alívio temporário, o estresse e a depressão podem surgir na forma de irritabilidade, raiva, dores físicas e doenças crônicas.

O estresse e a depressão estão intimamente ligados a problemas crônicos de saúde como obesidade, diabete e hipertensão, predominantemente entre as negras, cuja expectativa de vida é três anos menor que a das brancas (78 anos contra 81).

A Sra. T. lembra a minha avó, que saiu de Montgomery, no Alabama, para morar em Chicago, mãe solteira fugida de um relacionamento abusivo com um alcoólatra. Morou no conjunto habitacional Jane Addams, era costureira de dia e cursava o Herzl Junior College à noite. Graças ao trabalho, evitou recorrer a assistência pública, conquistou um diploma universitário, fez mestrado e conseguiu economizar a ponto de garantir minha educação em uma das melhores instituições do país. Ela também foi assaltada uma vez, chegando em casa com a bolsa em pedaços para provar sua resistência. Minha avó foi o símbolo máximo da “mulher negra forte”.

Mas e as dificuldades pessoais que enfrentou, a tristeza, o medo? Aposto que sentiu tudo isso, só que nunca falamos a respeito.

O estresse e a depressão estão intimamente ligados a problemas crônicos de saúde como obesidade, diabete e hipertensão

Muitas negras foram condicionadas a acreditar que têm de ser fortes para sobreviver, mas o fato é que não podemos manter a força da mulher negra sem reconhecer o estresse que a acompanha; do contrário, estabelecemos expectativas pouco razoáveis para os limites de que ela é capaz de aguentar.

Algumas mudanças nesse sentido já vêm acontecendo: grupos como o Black Girl in Om e GirlTrek estão trabalhando na conscientização sobre a importância do autocuidado e fornecendo opções para um estilo de vida mais saudável.

Precisamos acabar com a narrativa única do que significa ser uma negra forte. As mulheres de cor tiveram que tirar forças da necessidade de suprir a si mesmas e suas famílias quando não tinham mais ninguém com que contar, o que deve ser aplaudido em pé – mas há força também na vulnerabilidade, no alívio de saber que não se está só e no poder de reconhecer o momento de pedir ajuda.

Inger E. Burnett-Zeigler é professora assistente de Psiquiatria e Ciências Comportamentais da Faculdade Feinberg de Medicina, da Universidade Northwestern.
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