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As portarias revogadas por Bolsonaro e as armas que o Estado tem de rastrear
| Foto: Pixabay

Em 17 de abril de 2020, o presidente da República determinou a revogação das portarias 46, 60 e 61 do Comando Logístico (Colog) do Exército. Imediatamente foram publicadas reportagens vinculando esta revogação ao favorecimento de criminosos, traficantes e milicianos, pois ditas portarias haviam “instituído um sistema de rastreabilidade” imprescindível para acabar com as armas da criminalidade. Em razão da repercussão, o Ministério Público Federal instaurou uma investigação para apurar as causas da revogação de tais portarias.

Aqui inicia uma distinção muito importante: as armas legais e as ilegais. As armas ilegais estão onde todos sabemos, na mão dos criminosos, que cometem crimes nos mesmos locais de sempre apesar dos esforços das polícias, e chegam ao país por meio de contrabando, o que se comprova pela análise das armas apreendidas, modelos que não são encontrados em lojas para venda e cuja aquisição a legislação não permite – caso das armas automáticas. As armas legais são aquelas adquiridas mediante compra formal no mercado nacional ou via importação, mediante aferição de requisitos como capacidade psicológica e técnica, atividade lícita, conferência de residência e antecedentes.

As três fábricas nacionais informam ao órgão controlador os números seriados de armas fabricadas, e o destino de cada arma: quem e quando comprou, o número da nota fiscal, o endereço do adquirente. O mesmo ocorre com as armas legalmente importadas, cujo controle é muito maior, pois ao chegar no Brasil há dupla fiscalização – da Receita Federal, para o cálculo dos tributos devidos, e do Exército Brasileiro, que é o único órgão que pode liberar armas importadas.

Já existe no nosso país um sistema de rastreabilidade de dar inveja a muitos países de primeiro mundo. Todas as armas fabricadas ou importadas têm número de série em suas peças principais – assim como a numeração dos chassis dos automóveis – e são devidamente cadastradas pelo Exército Brasileiro. Após a fabricação ou importação de uma arma, esta tem de ser registrada no Sigma ou Sinarm, e lá constam todos os dados dos compradores, seja o CNPJ de um estado que a compre para sua Polícia Militar, seja o CPF de uma pessoa física, da qual se sabe o endereço, nome, profissão, ficha de ocorrência e até o número da nota fiscal de venda.

O controle de armas no Brasil foi criado para restringir o acesso aos civis, estados e municípios em 6 de julho de 1934, quando Getúlio Vargas baixou o Decreto 24.602, com o qual criou restrições de calibres de armamentos. Este decreto foi o embrião do Regulamento para Fiscalização de Produtos Controlados (R105), que atribui competência a órgãos governamentais para baixar atos normativos via portarias visando o controle, mas que derivam para restrições de utilização e compra legal de armas no país.

Em razão destas restrições, no ano de 2019 o Brasil estava para as armas assim como estava para os automóveis em 1990, antes da posse do ex-presidente Fernando Collor de Mello, que retirou as barreiras para importação e instalação de fábricas, resultando na pujança e melhoramento do setor automobilístico no país, que hoje é exportador. Até o ano passado, os brasileiros e as instituições policiais estavam impedidos de comprar armas importadas pois era absolutamente proibida a importação por empresas para venda no comércio. As exceções eram algumas polícias, que conseguiram na Justiça o direito de importar armas e munições de comprovada eficiência mundial; e os colecionadores, atiradores e caçadores (conhecidos pela sigla “CACs”), que podiam importar alguns tipos de armas de forma individual e sempre com severas limitações de modelos e quantidades.

Aqui entram as portarias 46, 60 e 61 do Colog. A pretexto de trazer segurança e rastreabilidade, estas portarias criaram requisitos que servem somente para impedir a livre concorrência por acabar com a possibilidade de importação legal de armas e munições. A Portaria 46 previu que todas as armas deveriam ter uma marcação adicional ao número de série padrão internacional: um código IUP (identificação única do produto), isto é, um código tupiniquim que nenhuma fábrica do mundo faz.A Portaria 60 adicionou a necessidade de os dados do importador estarem incrustados junto com o IUP. Essas medidas inviabilizam as importações, pois uma loja ou fábrica não vai imprimir tudo isso além do número de série em uma arma. Por fim, a Portaria 61 acabou com a possibilidade de importação de munições – e de uma concorrência internacional para aquisição de munições pelos órgãos de segurança – ao impor a necessidade de que toda munição tenha um código impresso na cápsula, pois isso não é previsto em nenhum país do mundo.

Portanto, acertou o presidente da República ao determinar a revogação destas portarias. Se há algo a ser apurado, são os motivos pelos quais, desde o Decreto 9.847 de 25 de junho de 2019, nenhuma empresa ter conseguido importar um lote sequer de pistolas em tese “liberadas”.

Fabio Adriano Stürmer Kinsel é advogado especialista em Direito Tributário, mestre em Direitos Fundamentais e atirador esportivo.  

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