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Ativismo judicial: um risco para o Estado Democrático de Direito
| Foto: Pixabay

“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, diz o artigo 1.º da Constituição Federal de 1988. O artigo seguinte preceitua que “são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Pelo disposto no artigo supracitado, a República brasileira é formada por três poderes, devendo atuar de forma independente e harmônica, conforme suas funções e atribuições determinadas pela legislação pátria e em obediência à Lei Maior. O princípio fundamental da separação dos poderes é evitar a concentração de poder em um único, criando um sistema de freios, pesos e contrapesos.

O Poder Judiciário, assim como os demais, tem sua organicidade, funções e atribuições delimitadas e vinculadas na legislação posta, notadamente as normas constitucionais. Do juiz de primeira instância ao ministro da suprema corte, ao colocar a toga sobre os ombros, deve abdicar de suas preferências políticas ou mesmo do subjetivismo que entende ser melhor para o povo, para decidir conforme o ordenamento jurídico, afastando-se das paixões ideológicas e dos aplausos midiáticos. O magistrado, em sua função de decidir, deve ter consciência de que o seu assento é de julgador e não de representantes do povo, estes investidos no cargo através da vontade popular, disputadas periodicamente nas urnas.

Infelizmente, em que pese o autoconhecimento jurídico dos ministros da corte suprema, temos vividos tempos de ativismo judicial extremo. Nas palavras do professor Ives Gandra da Silva Martins, o protagonismo judicial é preocupante, à medida que implica a transformação do Poder Judiciário, não poucas vezes, em legislador positivo. Ponderou o ilustre professor, textualmente, em artigo de 2011: “o equilíbrio, a harmonia e a independência dos poderes estão rigorosamente disciplinadas pelo legislador supremo, o que permite à sociedade brasileira usufruir, num Estado Democrático de Direito, da certeza e da segurança do Direito. Infelizmente, nada obstante o imenso respeito e inquestionável admiração que tenho por todos os ministros do Supremo Tribunal Federal, tem ele se transformado em constituinte derivado, em legislador positivo e invadindo a esfera de competência do Congresso Nacional, lastreado exclusivamente no princípio ‘magister dixit’ e não pode ser contestado”.

O protagonismo exacerbado da suprema corte a afasta da função de julgar vinculada à legislação posta, tornando os ministros, por algumas vezes, produtores da própria lei, imiscuindo-se na função dos legisladores. E não se diga que o STF deve se curvar à opinião popular em detrimento da Constituição, sendo certo que cabe às casas do povo, por seus representantes eleitos, atender os anseios populares na elaboração das leis, cumprindo assim o parágrafo único do artigo 1.º da Constituição.

Alguns ministros defendem a máxima de que o Poder Judiciário só age quando provocado, o que, com o devido respeito, é uma falácia. Evidente que o “Estado Juiz” não decide se não houver uma demanda, mas, se a causa de pedir desta for manifestamente improcedente ou levar a corte suprema a atuar como legislador, deve a ação ser rejeitada, por óbvio. O ativismo ou o protagonismo judicial, como denominam alguns, coloca em desequilíbrio a separação dos poderes, dando margem ao surgimento de um superpoder, ferindo o Estado Democrático de Direito.

Por evidente, não se está atacando as pessoas dos julgadores, mas tão somente chamando a atenção para o evento do ativismo judicial, que pode incorrer em superpoder ditatorial. Nas palavras de Rui Barbosa: “A pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela não há a quem recorrer”.

Bady Curi Neto é advogado, ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) e professor universitário.

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