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Numa paráfrase a Aristóteles, para quem o “homem é um ser social”, atualmente podemos afirmar que o homem é, antes de tudo, um ser “energívoro”, lembrando que o sufixo latino vorus significa “aquele que se alimenta de”. Estima-se que os contemporâneos de Aristóteles consumiam cerca de 12 mil kcal/dia, calorias advindas da ingestão de carboidratos, proteínas e gorduras, mas também pela queima da lenha para cozer o alimento, pelo uso do sol para aquecer a casa, da tração animal, da força hidráulica para mover o monjolo etc.

O homem tecnológico de hoje – a quem chamamos de “energívoro” – extrapola muito essas necessidades primárias, e os cálculos análogos indicam que o consumo médio atual, em kcal/dia, é cerca de 20 vezes maior. Reforça essa constatação o fato de que um quilograma de petróleo utilizado na combustão corresponde a 10 mil kcal de energia térmica, e que no Brasil o consumo per capita vem crescendo desde 1970, pois, enquanto a população brasileira aumentou 2,2 vezes, consumimos 3,4 vezes mais em kWh.

No espectro energético, o país se abateu pela confluência desastrosa de dois fenômenos: escassez de chuva e erros em abundância por parte do governo. No fim de 2012, anunciou-se com pompa e circunstância a redução de 20% na conta de luz e se promoveram mudanças regulatórias no setor (MP 579), sendo medidas não técnicas, populistas, deletérias e que provocaram um megarrombo de R$ 65 bilhões. É inegável, no entanto, que o agravamento da crise se deu pelo estresse hídrico, forçando o acionamento intensivo das caríssimas termelétricas. Soma-se a esse imbróglio a má gestão do governo, que provocou o retardo das obras de Belo Monte, Jirau e de linhas de transmissão, bem como a postura dos ecoativistas e burocratas em conter a liberação de licenças ambientais para as pequenas centrais hidrelétricas (PCHs).

O país se abateu pela confluência desastrosa de dois fenômenos: escassez de chuva e erros em abundância por parte do governo

O site do Ministério de Minas e Energia informa que, considerando o mês de março (os porcentuais variam ao longo do ano), a nossa matriz energética está assim distribuída: hidráulica, 71,8%; térmica, 25,9%; e 2,3% divididos entre as fontes eólicas, de biomassa e solar.

O alento vem do crescimento da produção de energia eólica, pois se dobrou a planta instalada nos últimos 12 meses, embora ainda seja pouco representativa. O otimismo também perpassa o setor das PCHs, pelo simples fato de o governo atrapalhar menos. Há maior celeridade nos trâmites para a concessão de licença ambiental e a sua pujança pode ser demonstrada pelos 1,3 mil projetos em análise, que, sendo todos liberados, somariam em potência o equivalente a uma Itaipu. As PCHs oferecem baixo impacto ambiental, pois têm potência máxima de 30 MW. Ademais, a Aneel passou a oferecer uma cenourinha um pouco mais apetitosa: reajustou o preço para R$ 210/MWh – uma bagatela comparado ao valor das térmicas, que pode chegar a R$ 1,4 mil.

O fornecimento de energia elétrica só não entrou em colapso por causa do nosso “pibinho”. Os estudos indicam que, porcentualmente, o crescimento do consumo de energia é sempre superior ao do PIB, chegando às vezes a ser o dobro. Além de o PIB estar tangenciando o zero, há motivos para a demanda por energia reduzir ou até estacionar em 2015 e 2016, com a consequente diminuição das térmicas.

O primeiro motivo disso é o impacto de três reajustes consecutivos na conta de luz em menos de um ano, o que pode dobrar o valor do kWh.A segunda razão é que a partir de 2015 foram implementadas as bandeiras tarifárias, com escopo educativo, para que o consumidor utilize a energia elétrica de forma consciente e racional diante da elevação dos custos da geração. A cor verde indica que os reservatórios estão cheios, as condições hidrológicas são ideais e não há cobrança adicional; para as condições menos favoráveis impõe-se a bandeira amarela, com um incremento na fatura, que hoje é de R$ 2,50 para cada 100 kWh consumidos. Desde a implantação (janeiro de 2015), pelo uso intensivo das termelétricas, aplicou-se a bandeira vermelha, cuja tarifa adicional é de R$ 5,50 para cada 100 kWh.

Isto posto, é forçoso concluir que o Brasil é um país ilógico e já se disse que aqui a lei da oferta e da procura se converte em “lei do infarto e da loucura”. Ao paciente leitor, duas indagações se impõem: por que tantos entraves burocráticos para a restrição da construção de usinas hidrelétricas, se as térmicas são elevadamente poluidoras, além de caríssimas? Por que nossas contas de luz figuram entre as quatro mais caras do mundo, se somos uma Arábia Saudita em energias renováveis?

Luciano Carstens, engenheiro eletricista, é diretor do Núcleo de Ciências Tecnológicas e Exatas da Universidade Positivo. Jacir J. Venturi, engenheiro civil , é coordenador da Universidade Positivo.
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