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É errado achar que o hábito de consumir álcool é questão a ser tratada apenas no âmbito do indivíduo e da família. Consumidores não tomam decisões independentes e racionais a respeito de seus desejos e necessidades, "escolhendo livremente" o que comprar. Do ponto de vista científico, não há dúvidas de que os comportamentos são fortemente influenciados por valores sociais. Tais valores sinalizam que pertencemos ao "grupo" cujo comportamento é, em grande parte, moldado pela mídia. A indústria não investiria somas gigantescas de dinheiro em propaganda – no Brasil, 700 milhões de reais por ano – caso não apostasse no aumento das vendas e dos lucros. O pesquisador Geoffrey Rose evidenciou, nos anos 80, os profundos nexos entre atitudes individuais e coletivas, ao encontrar forte relação entre os comportamentos de diferentes populações e dos seus, assim chamados, "desviantes". Rose observou que, quanto maior a média de consumo de álcool em uma população específica, maior também a freqüência de consumidores excessivos no mesmo grupo.

A mesma relação foi observada entre o peso corporal médio e a prevalência de obesidade. Estatísticas sobre mortalidade e hospitalizações diretamente relacionadas ao consumo excessivo de álcool não são de fácil obtenção. Estima-se que 120 mil internações anuais ocorram em hospitais do SUS por doenças associadas ao uso de bebidas alcoólicas: transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool, doença alcoólica do fígado, efeito tóxico do álcool. O valor está subestimado já que não há registro, por exemplo, das internações motivadas por violência ou por acidentes de trânsito causados pelo consumo de álcool. É sabido que desde a Antigüidade a Humanidade lança mão de substâncias que atuam sobre o sistema nervoso central para produzir euforia ou prazer. Além disso, o uso moderado de alguns tipos de bebidas alcoólicas é coadjuvante na prevenção de doenças cardiovasculares. No entanto, é preciso distinguir as situações de uso abusivo ou associado à drogadição.

Tal uso provocará dano quanto mais intenso e inadequado for. E entende-se por inadequação a produção de marcas sem qualidade ou contaminadas; a venda a menores de idade ou em locais próximos a postos de gasolina nas estradas; e a propaganda associada ao desempenho sexual ou atlético. É fundamental, portanto, manter o consumo dentro de limites razoáveis.

Entre os argumentos levantados pelos fabricantes está que a propaganda só serve para disputa entre marcas e não para aumentar o consumo.

Trata-se de uma falácia. A legislação restritiva, quando vier, será democraticamente praticada e atingirá todas as marcas. Portanto, ganhará fatias mais polpudas de mercado a marca que o consumidor escolher livremente como a melhor quanto a sabor, qualidade e preço.

Ainda que decisões sobre parar de fumar ou não dirigir alcoolizado caibam ao indivíduo, é desejável criar oportunidades e alternativas coletivas que incentivem essas mudanças de comportamento. A regulação da propaganda de bebidas alcoólicas faz parte desse contexto. É preciso consolidar, no Brasil, a idéia de que medidas de promoção da saúde são necessariamente de aplicação coletiva, como prega o ministro José Gomes Temporão desde que assumiu a pasta da Saúde. Portanto, é dever do Estado estimular o uso responsável de bebidas alcoólicas através das ações de regulação da produção, da distribuição, da propaganda e do consumo.

Dóra Chor e Suely Rozenfeld são pesquisadoras da Escola Nacional da Saúde Pública (ENSP), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

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