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Quando apresentamos a denúncia em face da presidente da República, Dilma Rousseff, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, baixou questão de ordem, estabelecendo regras para o trâmite do processo. O STF foi provocado e, mediante três liminares, derrubou a tal questão de ordem, aduzindo que o rito do processo de impeachment está estabelecido na Lei 1.079/50. Recebida a denúncia e eleita a comissão que iria analisar a acusação, o PCdoB apresentou uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), alegando que a Lei 1.079/50, que disciplina o impeachment, não teria sido recepcionada pela Constituição Federal.

Pela lógica, a ADPF haveria de ser julgada improcedente, pois, como já dito, as liminares anteriores determinaram a observância daquela lei. Além disso, uma breve pesquisa no site do STF mostra que a Lei 1.079/50 é largamente utilizada em julgamentos referentes a pedidos de impeachment de ministros e governadores, não fazendo sentido somente agora se aventar sua não recepção.

Uma ADPF jamais poderia conferir ao Supremo o poder de legislar, menos ainda o de retalhar a legislação vigente

O feito foi distribuído ao ministro Luiz Edson Fachin, que apresentou voto de rigor técnico inquestionável: respeitando os limites de uma ADPF, observando a Constituição e a lei e, ainda, tomando o cuidado de sugerir a inclusão de mais oportunidades de defesa para a presidente.

Com efeito, ainda que julgada procedente, uma ADPF jamais poderia conferir ao Supremo o poder de legislar, menos ainda o de retalhar a legislação vigente, escolhendo o que aplicar ou não, a depender da conveniência do momento.

A Constituição Federal e a Lei 1.079/50 não dão espaço para o Senado deixar de processar a presidente da República, se assim determinado por dois terços dos deputados federais. E essa sistemática em nada submete o Senado à Câmara, pois sempre há a possibilidade de se absolver a chefe da nação.

Pois bem, apesar de o voto do relator ter sido impecável, oito dos 11 ministros decidiram divergir. Em resumo, o STF aniquilou o papel da Câmara no processo de impeachment, criado para ser bicameral. Na opinião da corte, o fato de dois terços dos deputados federais determinarem a abertura do processo não significa nada, pois o Senado, por maioria simples, pode se negar a processar a presidente. Então, indago: para que tanto trabalho perante a Câmara? Que se vá direto ao Senado!

A eleição da comissão, por ter sido secreta – como permite o artigo 188 do Regimento da Casa –, fora simplesmente anulada, ficando claro que, para o STF, seu próprio regimento vale, mas o da Câmara não. Ademais, restou decidido que candidaturas avulsas são inadmissíveis, referendando a lógica do coronelismo nos partidos.

O ministro Dias Toffoli, indignado, tomou a palavra e chamou a atenção para o flagrante desrespeito à separação dos poderes; tendo ele próprio trabalhado na Câmara, testemunhou que as candidaturas avulsas sempre estiveram na cultura da casa. O ministro Gilmar Mendes, denunciando manipulação, lembrou que no STF também há votações secretas.

Independentemente do que norteou os ministros que saíram vencedores, fato é que o STF blindou a presidente da República, tornando quase impossível o impeachment. Paralelamente, conferiu superpoderes ao presidente do Senado.

Na medida em que, ao denunciar a presidente da República, visávamos apenas resgatar a legalidade neste país, constatar que o STF não se preocupa com o que está escrito na Constituição Federal e nas leis assusta: menos pelo impeachment, mais pelo que resta da República.

Janaina Conceição Paschoal, advogada e professora livre-docente de Direito Penal na Universidade de São Paulo, é coautora, ao lado de Hélio Bicudo e Miguel Reale Júnior, do pedido de impeachment de Dilma Rousseff em tramitação na Câmara.
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