• Carregando...
 | Wilson Dias/Agência Brasil
| Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Os primeiros movimentos do governo Jair Bolsonaro evidenciam uma característica brasileira bastante nociva quando se trata da discussão dos interesses da sociedade: a confusão entre os campos privado e público. Tal aspecto fica claro na interferência que a atuação presidencial vem sofrendo em decorrência do vínculo do principal mandatário do país com seus filhos, especialmente com Carlos Bolsonaro.

Desde a posse, o presidente da República tem enfrentado sucessivas crises, de maior ou menor porte, como efeito de atitudes de seus filhos, o senador Flávio, o deputado federal Eduardo e o vereador carioca Carlos. O primeiro passa por investigação devido à suspeita quanto à movimentação financeira de um assessor e o segundo se posiciona de maneira talvez exagerada em relação a assuntos de política externa, que seriam da alçada do ministro das Relações Exteriores. Esses casos, porém, poderiam causar algum constrangimento a Jair Bolsonaro, mas em nada se comparam ao ocorrido recentemente na relação entre Carlos Bolsonaro e Gustavo Bebianno, então ministro da Secretaria-Geral da Presidência.

Carlos tem demonstrado publicamente exercer influência exacerbada sobre os atos políticos de Jair Bolsonaro

Sem exercer oficialmente nenhum cargo no governo federal, Carlos tem demonstrado publicamente exercer influência exacerbada sobre os atos políticos de Jair Bolsonaro. O papel de eminência parda, porém, é mais delicado neste caso, pois o vínculo familiar que embasa o referido poder é estranho ao conceito de república e desnuda o fato de que o Brasil ainda precisa modernizar-se culturalmente para fazer jus a determinadas instituições. A racionalidade que deveria pautar a atuação governamental é deixada de lado em favor dos vínculos afetivos dos ocupantes do poder. Nesse sentido, Max Weber e Sérgio Buarque de Holanda são fundamentais para entender o momento em que o país mostra, de forma exuberante, sua pré-modernidade.

O verniz republicano do Brasil demanda que algo seja feito para impedir a continuidade da confusão entre os assuntos públicos e privados. As questões familiares na relação entre Jair e Carlos não deveriam influenciar a gestão da coisa pública em uma sociedade juridicamente organizada na forma de Estado atualmente. A escolha democrática realizada pelos brasileiros nas eleições de 2018 não foi feita com o objetivo de transformar o país em um território dominado por uma família. Em algum momento, o presidente da República deverá ser conduzido institucionalmente para o exercício do poder à distância dos filhos. A realização de reunião com ministros na presença de algum dos rebentos, por exemplo, é algo inadmissível diante do sigilo que deve ser mantido em relação a determinados assuntos para o bem da segurança nacional. O Brasil, caracterizado historicamente pela busca da figura paterna na política, não precisa de um pater familias na caminhada em busca da modernização.

Leia também: As sete reformas (editorial de 11 de fevereiro de 2019)

Leia também: A imprensa e Bolsonaro (artigo de Carlos Alberto Di Franco, publicado em 10 de fevereiro de 2019)

Com menos de dois meses de governo e antes de qualquer reforma estrutural mais profunda, já é chegado o momento de a estrutura estatal ser utilizada para distinguir a casa (questões privadas) e a rua (questões públicas), dois ambientes frequentemente confundidos na realidade nacional em terminologia assaz esclarecedora trazida ao debate público por Roberto DaMatta. Enquanto isso não for feito, o governo tende a enfrentar crises sucessivas em decorrência de problemas relacionais. Para a saúde institucional do país, é hora de o pai Jair despedir-se do presidente Bolsonaro para que este possa governar em relativa paz.

Elton Duarte Batalha é advogado, doutor em Direito pela USP e professor de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]