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| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

“A política externa brasileira não pode mudar.” Essa é a forma como um político brasileiro resumiu seu descontentamento comigo e com a política externa do presidente Jair Bolsonaro. Opiniões como esta representam bem a daquelas pessoas que ficaram traumatizadas pela caótica política externa de extrema-esquerda dos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (2003-2016) e que preferem inação e indiferença a qualquer tentativa de fazer do Brasil novamente um ator global. Eles estão tão acostumados com mudanças para pior que prefeririam não arriscar absolutamente nenhuma mudança.

Essas pessoas pensam que a única alternativa para a desastrosa política externa de Lula é pensar pequeno, repetir alguns temas caros às Nações Unidas e tentar fazer algum comércio. Eles lutam por uma mediocridade dourada. Eles querem que o Brasil aceite “o mundo tal qual o encontramos”, para parafrasear a famosa expressão de Ludwig Wittgenstein.

A referência encontra-se no parágrafo 5.631 do Tratado Lógico-Filosófico, no qual o filósofo anglo-austríaco afirma: “O sujeito representante e pensante não existe”. Esse tipo de desconstrução pós-moderna avant la lettre do sujeito humano e de negação da realidade do pensamento é, por conseguinte, associado com a renúncia à própria capacidade de agir e de influenciar o mundo, implícito no pessimismo de “tomar o mundo tal qual o encontramos”. Estas são as raízes filosóficas da atual ideologia totalitária globalista. Ao negar a independência de pensamento e a substância das ideias, ela se dirige mais e mais para a dominação do eu humano, enquanto dita ao povo: “vocês não merecem a liberdade porque vocês não existem, vocês não existem como um eu independente, vocês são apenas a soma das partes de seu corpo e suas ideias são apenas construções sociais; então, calem-se”.

O presidente Bolsonaro não foi eleito para pegar o Brasil tal qual o encontrou e deixá-lo ali

Eu não gosto de Wittgenstein.

O presidente Bolsonaro não foi eleito para pegar o Brasil tal qual o encontrou e deixá-lo ali. Ele não foi eleito para manter a política externa brasileira tal qual a encontrou, levantar a bandeira do “pragmatismo” pro forma e ir para casa. Isso não é o que o povo brasileiro – seres independentes e pensantes com suas próprias paixões e ideias, e não autômatos pós-modernos – quer e merece.

A política externa deve mudar: isso é parte do mandato sagrado que o povo confiou a Jair Messias Bolsonaro.

Estamos convencidos de que o Brasil tem um papel muito maior a desempenhar no mundo do que aquele que atualmente atribuímos a nós mesmos.

Queremos promover a liberdade de pensamento e a liberdade de expressão pelo mundo. Isso é essencial para promover quaisquer outras mudanças e quaisquer outras liberdades. A eleição de Bolsonaro no Brasil só foi possível porque o povo pôde livremente trocar suas ideias e expressar seus sentimentos sem as amarras da camisa de força da grande mídia. Essa lição não tem preço.

Do mesmo autor: Mandato popular na política externa (publicado em 26 de novembro de 2018)

Leia também: O papel do Brasil na comunidade internacional (editorial de 9 de dezembro de 2018)

Infelizmente, o mundo de hoje tem países onde o pensamento é controlado diretamente pelo Estado. E também tem países, muitos no Ocidente, onde o pensamento é indiretamente e insidiosamente controlado pela mídia e pela academia, deixando pouquíssimos lugares intocados pela opressão wittgensteiniana da morte-do-sujeito. O Brasil mostrou agora que é possível libertar-se e, por meio da pura força da fala, transformar a realidade política de um país de 200 milhões de pessoas, desmontando de forma pacífica um velho sistema de décadas de crime e corrupção, com coragem, determinação e sinceridade.

Também queremos promover paz e segurança para nossa região e em todo lugar. Mas não se pode promover a paz e a segurança fingindo que as ameaças que você enfrenta não existem ou não podem ser realisticamente abordadas. É preciso fazer frente às ameaças, e a principal vem de regimes não democráticos que exportam o crime, a instabilidade e a opressão. Você não pode simplesmente desejar distância de ditaduras como as de Venezuela e Cuba – especialmente quando você nem mesmo deseja essa distância, deixando que elas preservem e estendam seu poder, com a desculpa de que isso é o “mundo tal qual o encontramos” ou “a marcha natural das coisas”.

E queremos, é claro, expandir o comércio. A política de comércio, como parte de nossa política externa, esteve cochilando por tempo demais. Estamos determinados a negociar acordos comerciais, de investimentos e de tecnologias com todos os nossos parceiros, de uma maneira ambiciosa e criativa, explorando diferentes modelos com diferentes parceiros, tendo em mente sempre as necessidades concretas do setor produtivo.

Opinião da Gazeta: Política externa, pragmatismo e valores (editorial de 4 de janeiro de 2018)

Leia também: A identidade de Bolsonaro (artigo de Gaudêncio Torquato, publicado em 17 de dezembro de 2018)

Críticos diriam que, ao falar de liberdade e democracia, e ao tomar estes conceitos a sério, somos ideológicos. Eles poderiam argumentar que advogar a liberdade e a democracia colocarão em risco nosso comércio. Seria um mundo triste se esse fosse o caso. Mas estou convencido de que um Brasil muito mais assertivo, um país falando com sua própria voz e não apenas dublando a voz de algum outro, será um parceiro muito melhor nos negócios e em qualquer outra área.

Algumas pessoas pensam que nossa abordagem de marketing deveria ser: “Olhe, eu sou o Brasil. Eu não penso nada. Eu não tenho ideias. Assim como o sujeito desconstruído de Wittgenstein, não tenho um eu. Não incomodo ninguém. Negocie comigo!” Mas isso não funciona. Ninguém respeita tal comportamento, e você não conseguirá bons acordos comerciais quando não há nenhum respeito. Olhe para a China. Ela defende sem reservas o seu sistema, afirma seus interesses nacionais e sua identidade, suas ideias específicas sobre o mundo – e todo o mundo negocia cada vez mais com a China. Por que outros países devem ser obrigados a aceitar certas ideias antes de serem considerados bons parceiros comerciais? Deveríamos renunciar aos nossos compromissos com a liberdade e a democracia enquanto outros não são forçados a renunciar a seus compromissos com seus sistemas?

O Brasil mostrará que é possível aumentar a sua parte no comércio internacional e nos fluxos de investimento, ao mesmo tempo em que sobe no palco mundial para defender a liberdade, falando com a voz própria de sua nação.

A política externa brasileira pode mudar, e o mundo pode mudar. Nós não temos de mantê-los tais quais o encontramos.

Ernesto Araújo é ministro das Relações Exteriores. Tradução: Rafael Salvi.
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