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| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

Muito se especula, na imprensa, desde a vitória de Bolsonaro nestas eleições, sobre como o governo vai fazer funcionar seu plano e aprovar seus projetos no Congresso. Hélio Gurovitz, por exemplo, mostra como o novo governo busca, com seus ministérios, montar uma base de partidos para uma possível articulação de coalizão com o Congresso. Outros, como Josias de Souza, lembram da promessa do presidente eleito de terminar com o “jogo de troca de favores”, mas alertam para sua naturalidade como meio fundamental para a governabilidade e aprovação das medidas. Alguns, inclusive, veem de forma catastrófica a possível paralisia do governo ou, ainda, como uma ameaça incompatível com o presidencialismo brasileiro como se conhecia, com o auxílio de uma coalizão forte, como os governos vêm formando no Congresso desde José Sarney.

De fato, a situação do governo de Bolsonaro é similar ao que se chama “governo de minoria”. O governo de minoria é uma situação na qual o partido ou a coalizão de partidos que formam o governo não tem a maioria das cadeiras no Congresso. O PSL, por exemplo, tem 11% das vagas. Isso pode ocorrer de duas formas: com o apoio de uma base aliada externa específica; ou com uma base aliada não definida e não fixa, o que significa ter de negociar caso a caso os projetos no parlamento. Esta é uma configuração rara de governo, especialmente no Brasil, dado que é mais comum em ambientes de clima político mais harmônico, em sociedades mais homogêneas, como as dos países da Escandinávia ou em governos locais, onde o clima político é menos ideológico e mais pragmático. No Brasil, pelo menos no nível federal, sempre se teve um jogo de grandes coalizões.

O governo de minoria é uma situação na qual o partido ou a coalizão de partidos que formam o governo não tem a maioria das cadeiras no Congresso

A tudo isso, se soma outra questão: a grande fragmentação partidária do próximo Congresso. Essa fragmentação é progressiva e vem de longa data, desde a redemocratização. O Congresso eleito em outubro de 2018 será composto por 30 partidos, contra 28 em 2014, 22 em 2010 e 21 em 2006. As três maiores legendas na Câmara serão o PT (56 deputados) o PSL (52 deputados) e o PP (37 deputados). Em 1994, os cinco maiores partidos controlavam 70% das cadeiras. Em 1998, atingiram o máximo de concentração da representação, com 79% da casa. Em 2014, já haviam caído para 51% e, em 2018, as cinco maiores bancadas ganharam apenas 41% das cadeiras. O tamanho médio das bancadas dos cinco maiores partidos da Câmara era de 81 deputados em 1998; nesta última eleição, ficou em 43. Mas ao longo da legislatura as coisas podem mudar; a tentativa de Bolsonaro de dialogar com a chamada “bancada BBB” poderia levar outros desses parlamentares a entrar no PSL ou até a montar um novo partido.

Paradoxalmente, a estratégia ousada de um governo de minoria pode ter maior chance de funcionar exatamente neste cenário. Isso porque, em um parlamento muito fragmentado, a lealdade partidária é menor: os caciques dos partidos conseguem manter o alinhamento de seus deputados com muita dificuldade, então o governo pode negociar o apoio de parlamentares individualmente, tornando-os desleais em relação à sua legenda.

Alguns analistas apontam que, se esta estratégia der certo, isso poderia sepultar o “presidencialismo de coalizão”, mas estão errados.

Leia também: Mudar o jeito de governar (editorial de 30 de novembro de 2018)

Leia também: Reforma do setor público: temos uma nova esperança? (artigo de Gustavo Grisa, publicado de 6 de dezembro de 2018)

Em 2022 entrará em vigor uma nova cláusula de barreira pela qual cada partido terá de obter pelo menos 2% dos votos válidos, distribuídos em, no mínimo, um terço dos estados, com um mínimo 1% dos votos válidos em cada um; ou ter eleito pelo menos 11 deputados, distribuídos em, no mínimo, um terço dos estados, para ter acesso ao Fundo Partidário e a instrumentos de campanha como tempo obrigatório na televisão e no rádio. Estudos como o da Agência Câmara, que usa dados do TSE, estimam uma redução em 14 partidos (Rede Sustentabilidade, Patriota, PHS, Democracia Cristã, PCdoB, PCB, PCO, PMB, PMN, PPL, PRP, PRTB, PSTU e PTC), que, caso mantenham o desempenho demonstrado nas últimas eleições, não conseguirão ter representação no Congresso.

A estratégia de Bolsonaro é apostar em algo similar a um governo de minoria. Pode ser que funcione agora exatamente pela grande fragmentação do Congresso, mas em 2022 haverá menos fragmentação, e isso irá dificultar novamente esta estratégia. O presidencialismo de coalizão não está morto; mudam as siglas, mas não muda a lógica e não muda a necessidade de alianças.

Adriano Gianturco é professor de Ciência Política e coordenador do curso de Relações Internacionais do IBMEC-MG.
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