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"Triste época! É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito", disse Einstein. Como curitibano de adoção, senti-me entristecido pelo debate sem sentido havido na Câmara Municipal de Curitiba no dia 1º. A discussão girou em torno de uma figura que procura passar uma mensagem sobre o amor, com vistas a promover o casamento coletivo, resultado de uma iniciativa envolvendo a Prefeitura de Curitiba, Poder Judiciário, sistema Fecomércio (Sesc e Senac), cartórios de registro civil e o Clube Atlético Paranaense. No debate, houve críticas de vereadores, principalmente da bancada evangélica, alegando, entre outras coisas, que as figuras fazem "apologia do casamento gay", são uma "ditadura gay velada", "uma agressão aos cristãos" e à "verdadeira definição de casamento pela Constituição do Brasil". Diante das críticas, a prefeitura chegou a retirar momentaneamente a chamada de seu Facebook.

Ora, quem interpreta a Constituição Federal é o Supremo Tribunal Federal (STF), e no dia 5 de maio de 2011 o STF interpretou, por unanimidade de dez votos, que a união estável entre pessoas do mesmo sexo se equipara à união estável entre casais heterossexuais. Dos dez votos, sete interpretaram que a união estável entre pessoas do mesmo sexo poderia ser convertida em casamento, o que foi concretizado pela Resolução nº 175 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 14 de maio de 2013. Os ministros do STF entenderam que o direito fundamental constitucional da igualdade perante a lei predomina sobre a redação do seu artigo 226 (união estável entre homem e mulher), além de basear sua decisão nos princípios constitucionais da liberdade, da dignidade da pessoa humana e da proteção à segurança jurídica. Inês é morta.

A Câmara Municipal de Curitiba não tem competência para dar a palavra final sobre a interpretação da Constituição Federal pelo STF e determinados vereadores não têm autoridade para querer se sobrepor ao STF e ao CNJ, ou têm?

Será que querem que voltemos ao tempo em que nós, LGBT, éramos condenados como criminosos quando Oscar Wilde disse que era o "amor que não ousa dizer o nome"? Será que existe mais amor ou menos amor? E, ao vereador que debochou "sou da época em que menino gostava de menina e menina gostava de menino", relembramos a palavras de Goethe: "a homossexualidade é tão antiga quanto a própria humanidade".

Ademais, ao contrário do que fica implícito nas críticas dos vereadores acima mencionados, não existe uma única forma de família. Com efeito, o estudioso alemão Petzold identificou 196 tipos diferentes de família. Isso significa que o modelo nuclear de família composto por pai, mãe e seus filhos biológicos não é suficiente para a compreensão da nova realidade familiar que incorpora, também, outras pessoas ligadas pela afinidade e pela rede de relações. Já em 2006, a legislação brasileira corroborou este fato na Lei Maria da Penha, com a seguinte conceituação: "família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa"(Art. 5º , inciso II), e que "as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual"(inciso III, § único).

Peço que os vereadores exaltados respeitem a laicidade do Estado. O Estado brasileiro é laico e, por conseguinte, os órgãos públicos de Curitiba também deveriam ser. O Estado laico, além de garantir a liberdade de crença religiosa, também determina que os órgãos públicos devem ser neutros em matéria religiosa. Assim, não é correto a bancada evangélica pressionar dessa forma a prefeitura, quando tais pressões se baseiam em convicções religiosas e não em embasamentos legais. Cabe à prefeitura fazer cumprir a lei, e a lei determina que todos são iguais perante a lei, inclusive no que diz respeito ao casamento. Ademais, está na hora de os órgãos públicos respeitarem de fato a laicidade do Estado e retirarem dos prédios públicos municipais os objetos de uma religião específica capazes de "desagregar e ofender" os seguidores das diversas outras religiões presentes na cidade.

Congratulo a prefeitura por reconhecer que "se precipitou" em retirar o conteúdo e parabenizo-a por tê-lo colocado de volta. Parabenizo também os vereadores que defenderam a iniciativa da prefeitura. Prevaleceu a laicidade da administração pública.

Vamos ser felizes, mesmo sem permissão de parte da Câmara Municipal de Curitiba. E vamos participar do casamento coletivo.

Toni Reis, doutor em Educação, vive em união estável homoafetiva com seu parceiro há 25 anos. São pais de três filhos, de 13, 11 e 9 anos, legalmente adotados.

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