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Brasil: O futuro, enfim, de volta
| Foto: Marcos Tavares/Thapcom

Quem viveu a adolescência na década de 1980 há de se lembrar do espetacular filme De volta para o futuro. Em uma de suas mais famosas cenas, o protagonista Marty, personagem de Michael J. Fox, mandado acidentalmente de volta ao passado, entra em desespero ao perceber que sua imagem está desaparecendo da foto de sua família, pois os acontecimentos que se desenrolam após sua viagem no tempo quase terminam por frustrar o encontro e posterior casamento de seus futuros pais.

Marty é um adolescente vivendo com uma família sem ambição numa pequena cidade da Califórnia. Seu pai, George, é constantemente intimidado por seu supervisor de trabalho; sua mãe é alcoólatra; e seus irmãos mais velhos, subempregados, vivem ainda na casa dos pais.

Ao fim, a viagem no tempo de Marty prova-se bem sucedida. O encontro entre seus pais não apenas foi viabilizado, como também há uma série de mudanças de atitude que Marty – contando com o benefício de conhecer as consequências adversas que a postura inadequada de seu pai teria sobre a vida de toda sua família – consegue incutir no jovem George. A família de Marty termina, assim, por viver uma “realidade” muito mais virtuosa e bem-sucedida do que a do início do filme.

O teto de gastos, quando foi aprovado, resistiria por poucos anos caso não fosse aprovada rapidamente a reforma da Previdência

A ficção do cinema ajuda a ilustrar a proposição um tanto quanto óbvia de que o futuro, seja de indivíduos, instituições ou países, depende de decisões e atitudes tomadas no presente e no passado. E, embora não seja possível voltar ao passado, a mudança em determinadas atitudes ou posturas pode modificar toda a perspectiva futura de uma determinada variável. Especialmente em grandezas ou conceitos intrinsecamente dinâmicos, como o endividamento, a mudança de perspectiva pode ser surpreendentemente rápida.

Ao fim de 2013, a dívida bruta do governo geral (DBGG) do Brasil era de 51% do PIB. Naquele ano, o PIB havia crescido 2,9%, taxa semelhante à média dos dois anos anteriores. Ainda naquele ano, o país acumulara superávit primário próximo a 2% do PIB, e o juro real (ex-ante) era próximo a 5%. Se extrapolado à frente, à época, este conjunto de parâmetros sugeria que a DBGG teria uma dinâmica de relativa estabilidade nos anos subsequentes. Mas a forte depressão econômica que se iniciaria um ano depois mudaria radicalmente esse quadro. A combinação do colapso das receitas tributárias, engessamento de despesas e maquiagens fiscais do governo petista rapidamente transformou o superávit primário de 2% do PIB em 2013 em déficit de 2,5%, em fins de 2016. A desancoragem de expectativas de inflação levou o BC a subir a Selic a mais de 14%, e os juros reais ex-ante se elevaram a 7%. A DBGG, que já subira quase 20% em três anos, de 51% para 70% do PIB, assumia uma dinâmica tenebrosa à frente.

Felizmente, após o afastamento do governo anterior, a equipe econômica do governo Temer agiu rapidamente. Ainda nos últimos dias de 2016, foi capaz de aprovar no Congresso a emenda constitucional do teto de gastos, medida que alterou o regime fiscal da economia. O crescimento real dos gastos do governo central, que nos 15 anos anteriores havia sido de 6%, seria, a partir daquele ponto, limitado a zero. O elevado nível de rigidez orçamentária do país ainda faria com que o país convivesse com déficits primários por muitos anos, mas, a partir daquele momento, admitindo que o país um dia voltasse a crescer pelo menos 2% ao ano, de forma sustentada, e os juros reais convergissem para a casa de 3%, a dívida se tornava novamente pagável, ainda que estivesse fadada a crescer por alguns anos à frente. Como no filme, a foto do país, no futuro, era ainda embaçada, mas, a exemplo da imagem de Marty com sua família, tornava-se pelo menos visível uma vez mais, após ter sido quase apagada do mapa.

Ainda havia, no entanto, um grande desafio à frente. O teto de gastos, naquele momento, resistiria por poucos anos caso não fosse aprovada rapidamente a reforma da Previdência. Sem ela, a dinâmica populacional faria com que as despesas obrigatórias (principalmente previdenciárias) consumissem com rapidez todo o espaço de gastos do engessado orçamento. Após três anos de tentativas frustradas, uma reforma previdenciária que economiza perto de R$ 800 bilhões em dez anos foi aprovada em 2019, aumentando, assim, a credibilidade do teto de gastos e da trajetória da dívida. Assim como no filme, em que a reação de George aos ensinamentos de Marty dava seus primeiros frutos: sua atitude diante da vida mudava para melhor e o futuro da embrionária família ia se tornando mais promissor.

Finalmente, como consequência do ambiente externo favorável, do esforço fiscal e do excelente trabalho de ancoragem de expectativas conduzido pelo Banco Central, a partir do governo Temer, os juros básicos da economia foram reduzidos a patamares inéditos, e de forma sustentada. Em função da nova realidade de juros e do esforço fiscal dos últimos anos – incrementado pela devolução ao Tesouro Nacional, por parte do BNDES, de R$ 126 bilhões; e pela venda de US$ 32 bilhões em ativos de reservas (incluindo trocas por swap), por parte do BC –, a dinâmica da dívida, vista hoje, torna-se ainda mais benigna. Assumindo crescimento de 2,5% e juros reais de 1,5%, a DBGG, hoje em 77% do PIB, cai já a partir de 2021, chegando a 74% no fim do atual governo. Não consideramos, neste exercício, uma redução adicional da DBGG de 4% do PIB, que pode ser atingida caso o BC opte por trocar todo o estoque remanescente de swaps por reservas, e caso o BNDES devolva ao Tesouro todos os recursos remanescentes a ele pertencentes ainda marcados em seu balanço. Se estas opções forem implementadas, a DBGG pode chegar em 2022 a um valor inferior a 70% do PIB.

O país esteve à beira do abismo e está, aos poucos, recuperando a condição de ter um futuro

O magnífico trabalho no plano fiscal executado pelos governos Temer e Bolsonaro ainda não está completo. Mesmo havendo algum espaço nos próximos anos, o teto de gastos impedirá a execução orçamentária a partir de 2022, caso não seja possível reduzir ou transformar parte das despesas atualmente obrigatórias em discricionárias. Por isso, a aprovação das PECs da emergência fiscal e do pacto federativo, já enviadas pelo Executivo ao Congresso, é tão importante. Entre outras medidas, a primeira delas (PEC 186/19) define o estado de emergência fiscal, que, quando caracterizado, permite a redução das despesas obrigatórias com pessoal, fundamental para a manutenção do teto de gastos e da criação de espaço orçamentário para algum gasto adicional com investimento a partir de 2021. Já a PEC 188/19, do pacto federativo, institui o Conselho Fiscal da República, que contará com a participação das lideranças de todos os poderes e elevará a governança e a gestão fiscal a outros patamares. No plano dos entes subnacionais, é fundamental haver esforço de todos os atores políticos envolvidos para que os estados remanescentes elegíveis ao regime de recuperação fiscal, mas ainda não dele participantes, sejam finalmente inseridos no programa. É igualmente importante a aprovação tempestiva do PLC 149/19, que institui o Programa de Equilíbrio Financeiro, destinado a apoiar o reequilíbrio do orçamento dos estados menos endividados, mas que hoje não têm capacidade de investimento.

O país esteve à beira do abismo e está, aos poucos, recuperando a condição de ter um futuro. É importante persistir na agenda de reformas e ajustes; somente assim o ciclo de crescimento que já bate à nossa porta terá chances de tornar-se sustentável. Como a esta altura deveriam saber os brasileiros, e como aprendeu George McFly, este futuro será tão mais promissor e virtuoso quanto mais acertadas as escolhas que fizermos hoje.

Pedro Jobim é Ph.D em Economia pela Universidade de Chicago e sócio-fundador da Legacy Capital.

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