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Na última década o Brasil voltou a ser um país de acolhida, recebendo mais estrangeiros do que brasileiros que foram morar no exterior. Contudo, leis e políticas migratórias são contraditórias e obsoletas, como nota Deisy Ventura, professora do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo: "É fácil entrar no Brasil, mas é difícil aqui permanecer e trabalhar regularmente... A sociedade valoriza muito seus antepassados imigrantes, mas raramente trata os imigrantes de hoje como gostaria que seus bisavós fossem tratados há décadas atrás."

A crise dos haitianos ilustra esses problemas. Há dez anos o Brasil lidera o componente militar da missão da ONU para a estabilização do Haiti (Minustah). A pequena nação caribenha é a mais pobre das Américas e seu mais eficaz programa de combate à miséria é a emigração: 85% dos haitianos acima da linha de pobreza vivem fora do país, a maioria nos Estados Unidos. Dinheiro que enviam para suas famílias é mais de 20% do PIB.

O Brasil não era destino tradicional da emigração haitiana, mas a liderança da Minustah despertou o interesse pelo país. As autoridades acreditam que desde o terrível terremoto de 2010 até 20 mil haitianos vieram para o Brasil. Muitos de maneira irregular, sem a documentação adequada, entrando no país pelo Acre. São um porcentual minúsculo do 1,5 milhão de estrangeiros que vivem em território brasileiro – por sua vez, menos de 1% da população.

Contudo, o drama dos haitianos em cidades acrianas de infraestrutura precária, como Brasileia, colocou-os nas manchetes com grande alarde. O governo federal reagiu estabelecendo "vistos humanitários" para quem quer deixar o Haiti, mas limitados a apenas 1.200 por ano. A situação ganhou novo destaque quando o governo do Acre começou a facilitar a ida de haitianos para a cidade de São Paulo, onde algumas centenas se instalaram numa área pobre do centro.

O cerne da lei migratória brasileira é o Estatuto do Estrangeiro, da época da ditadura que encara pessoas nascidas no exterior como um potencial problema de segurança nacional. É baseado numa concepção de desenvolvimento bastante diferente da economia global e interdependente que existe hoje. Sua aplicação é matizada por práticas mais humanitárias, como anistias periódicas para imigrantes irregulares, mas é preciso que haja nova legislação, adaptada às necessidades atuais e que incorpore a migração como direito humano, como nos marcos mais progressistas desse campo, como os da Argentina, Uruguai e a convenção da ONU sobre o tema, ainda não ratificada pelo Brasil.

O Congresso discute há anos uma nova lei de estrangeiros e a importância do assunto cresce junto com os fluxos migratórios e com a nova realidade demográfica brasileira – as mulheres brasileiras atualmente têm menos de dois filhos, o que significa que o país precisará cada vez mais de imigrantes para sua força de trabalho. O que o Brasil lhes oferecerá em termos de direitos?

Maurício Santoro é cientista político e assessor de direitos humanos da Anistia Internacional Brasil.

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