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A divulgação de um estudo apontando a ruptura da barreira dos 60 mil homicídios em 2016 desencadeou severas críticas às chamadas “políticas de segurança pública nacionais”. Não é para menos, pois a situação é caótica. Porém, essas críticas, grosso modo, parecem desconectadas do mundo real, tomando por existente algo que não passa de fantasia.

O foco das contestações se centra num suposto modelo de segurança assentado em excessiva criminalização de condutas, conduzindo a elevado e inócuo encarceramento, pela ação desproporcional da polícia. Essa seria a fórmula a ser revista para combater a verdadeira carnificina brasileira. Embora seja um discurso genérico e superficial, facilmente assimilado pelos incautos que o ouvem, há nele erros substanciais.

Não é tratando quem agride como vítima que conseguiremos reverter nossos problemas de insegurança

O Brasil não tem uma política de segurança de excessiva criminalização, ou pautada em muitas prisões, tampouco fincada em mera repressão policial. Ele não tem política nacional de segurança pública alguma. A atuação repressiva da polícia não deriva de um modelo previamente definido, mas do mero cumprimento de suas funções elementares, em respeito à Constituição Federal e às nossas leis. Se disso resulta significativo encarceramento, é porque há por aqui muitos crimes, e não por qualquer opção estatal – a qual, aliás, vem se firmando no sentido oposto, com as políticas de desencarceramento, seja com penas alternativas, seja com as audiências de custódia.

A verdade é que essa área vem sendo negligenciada ao longo dos últimos anos, nos quais não se viu no país absolutamente nenhuma política de segurança pública de âmbito nacional. Tivemos alguns planos nacionais de direitos humanos (PNDH) e ações pontuais de recomposição da ordem, não raro com midiática utilização das Forças Armadas ou da Força Nacional de Segurança, mas nada de combate estrutural ao crime.

A única ação nacional declaradamente pacificadora consistiu no desarmamento civil. O problema é que seu resultado prático foi a mera fragilização da sociedade, sem qualquer efeito na contenção da ação dos criminosos, algo bem estampado pelo crescente aumento no uso de armas de fogo na prática de crimes, especialmente os homicídios.

Outro lado:Brasil em guerra (artigo de Cezar Bueno e Lindomar Boneti, professores da PUCPR)

Somos um país de baixíssimos índices de elucidação criminal – menos de 10% dos crimes letais. E, se crimes não são esclarecidos, bandidos não são identificados, tampouco presos. Isso elimina do cenário de contenção criminal o receio da punição, algo que desde Cesare Beccaria já se tem como absolutamente essencial em um sistema jurídico-punitivo. Paralelamente a isso, graças ao desarmamento, o delinquente também não teme sua vítima, pois ela, para ele, se encontra convenientemente desarmada.

Trata-se, pois, de um cenário que só favorece o crescimento da violência criminal. Contra ele, não adianta ideologizar a discussão, culpar a repressão policial ou fingir que o cidadão comum tem qualquer responsabilidade por isso. É preciso, sim, tirar lições do fracasso. Compreender que não é tratando quem agride como vítima que conseguiremos reverter nossos problemas de insegurança, mas retirando os estímulos para que ele assim aja, seja pela certeza da punição, seja pelo temor à vítima. Fora disso, toda crítica não passa de roupagem nova para discursos antigos, os mesmos que, estes sim, nos trouxeram até aqui.

Fabricio Rebelo é pesquisador em Segurança Pública, coordenador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança e autor de “Articulando em Segurança: contrapontos ao desarmamento civil”.
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