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Cardeal Pell, bode expiatório
| Foto: Alberto Pizzoli/AFP

No último dia 21, na Austrália, um colegiado de três juízes manteve, por dois votos a um, a condenação do cardeal George Pell por cinco acusações de abuso sexual de menores. Pell tinha sido condenado em dezembro do ano passado, após um primeiro julgamento em que 10 dos 12 jurados tinham votado pela absolvição.

Este é um dia vergonhoso. A condenação de Pell é um ultraje – não porque ele é um cardeal da Igreja Católica, mas porque a acusação contra ele não foi comprovada, e nem teria como ser comprovada, para além da dúvida razoável.

Pell foi acusado de molestar sexualmente dois meninos membros do coro de 13 anos, em duas ocasiões – em 1996 e 1997. Apenas um deles ainda está vivo. O outro foi questionado pela mãe, em 2001, se ele havia sido “atacado ou tocado alguma vez”. Ele respondeu que não.

O outro ex-cantor alega que Pell encontrou os dois meninos embriagados com vinho da comunhão na sacristia na catedral de Melbourne, após uma missa de domingo, e forçou ambos a fazerem sexo oral nele. A acusação não foi confirmada por mais ninguém, e é implausível. Pell sempre cumprimentava os fiéis logo após a missa. Sempre estava acompanhado por assistentes dentro da catedral. As vestes litúrgicas que usava teriam impossibilitado totalmente o abuso. O vinho da comunhão era mantido trancado na sacristia. Os meninos do coro eram supervisionados. A sacristia fervilhava de gente após cada missa.

Em resumo, a acusação contra Pell é plausível só para quem ignora totalmente o funcionamento de uma catedral e está inclinado a acreditar em contos fantásticos de crimes cometidos por católicos. Infelizmente, as duas circunstâncias se aplicam à opinião “esclarecida” na Austrália e no Ocidente.

Garantir no papel o devido processo legal e direitos iguais de pouco vale diante de um preconceito avassalador

A Igreja Católica tem, sim, um problema de abuso sexual – embora menos frequente que em outras instituições, incluindo escolas públicas e as próprias famílias. Os abusadores no clero normalmente seguem um padrão em que mimam seus alvos, enchendo-os de favores e criando as oportunidades propícias para atacá-los. As acusações contra Pell, ao contrário das muitas acusações confirmadíssimas contra o ex-cardeal americano Theodore McCarrick, não obedecem a esse padrão. E é interessante ver como Pell está na cadeia enquanto McCarrick continua livre.

Em suas observações iniciais, a juíza Ann Ferguson disse que “tem havido uma crítica vigorosa e, às vezes, emotiva ao cardeal, e ele tem sido publicamente vilipendiado em alguns setores da comunidade”. Isso é um eufemismo. Pell foi condenado em meio a um espasmo de histeria anticatólica, incentivada pela imprensa australiana e pelos órgãos de aplicação da lei.

Louise Milligan, jornalista da ABC Austrália, escreveu um livro acusando Pell de uma série de crimes sórdidos. Ele se tornou um best-seller apesar de sua escrita pobre e de suas alegações risíveis – nada diferente de seu antecessor mais próximo, The awful disclosures of Maria Monk. O livro também ganhou diversos prêmios. Enquanto isso, os promotores já tinham embarcado em uma busca frenética de acusações de abuso sexual especificamente contra Pell. É assim que a Justiça deveria funcionar?

Quando Pell finalmente foi condenado, Milligan deixou claras as bases de seu ódio contra ele: “Ele passou seus dias dizendo a todos nós como deveríamos viver nossas vidas, e agora aí está ele, brigando para tirar seu nome dos registros de abusadores sexuais”. Para ela (e não apenas para ela), há um tipo particularmente delicioso de justiça na condenação por abuso sexual de uma pessoa que afirmava que o ato homossexual, a contracepção e uma série de outros comportamentos são um pecado.

A reação de Milligan é exemplo da crença anticatólica de que a moral sexual da Igreja é intolerante, odiosa e repressiva – ao contrário das visões “progressistas” sobre sexo, que (como sabemos) são maravilhosamente libertadoras e salutares. O fato de alguns católicos concordarem com as opiniões de Milligan e compartilharem seu deleite não deveria nos chocar. Foi um seguidor de Cristo que O entregou a Seus inimigos.

Neste ambiente polarizado, não é surpresa que dois juízes tenham dado credibilidade à testemunha. Assim como os pais na pré-escola McMartin (um caso ocorrido nos anos 80, na Califórnia, que terminou com as acusações de abuso retiradas após sete anos), eles “acreditaram nas crianças”. No único voto divergente, o juiz Mark Weinberg afirmou que “às vezes, o denunciante estava inclinado a exagerar aspectos do seu relato” e que “sua evidência continha incoerências, demonstrou inadequações, e lhe faltou valor probatório”. Weinberg “não podia excluir a possibilidade razoável de que parte do que afirmou o denunciante foi inventada”.

Agora está claro, caso ainda não estivesse, que os católicos não podem esperar um tratamento justo e decente nas mãos da elite esquerdista. Garantir no papel o devido processo legal e direitos iguais de pouco vale diante de um preconceito avassalador. E, lamentavelmente, o tipo de preconceito que colocou Pell na cadeia é certamente criado pela ordem liberal que tantos católicos defendem com convicção.

O veredito contra Pell é uma condenação – não a dele, mas a dos que a decidiram. Obviamente não é a primeira vez que uma condenação injusta mostrou o quão falsa é nossa ordem social. E os católicos nem sempre estiveram do lado certo nesses casos. A transformação do cardeal Pell em bode expiatório deveria redobrar nosso desejo de defender a verdade em vez de agradar a multidão, de ater-nos aos fatos em vez de seguir a política cultural.

Acima de tudo, a injustiça sofrida por Pell deveria nos levar a nos identificar com todos a quem a justiça é negada, não importa quem sejam, não importa quão longe da fé e da moral católica estejam. Os católicos veem seus sofrimentos como oportunidades de se identificar com Cristo. Ele está presente não apenas na Eucaristia, mas também no pobre, no órfão, na viúva, no prisioneiro. Nossos esforços por Pell devem ser os esforços por todos eles.

Matthew Schmitz é editor sênior de "First Things". Tradução: Marcio Antonio Campos. 

© 2019 First Things. Publicado com permissão. Original em inglês.  

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