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Recentemente foi noticiado que a Divisão de Apelações da Suprema Corte de Nova York decidiu que chimpanzés não possuem personalidade jurídica, razão pela qual não podem ter acesso a direitos fundamentais. O habeas corpus impetrado em favor dos primatas Tommy e Kiko, mantidos em cativeiro, foi negado com base no argumento de que, como os animais não podem assumir deveres ou obrigações, não podem ter direitos.

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Esse é apenas mais um capítulo da longa batalha pelo reconhecimento dos animais como detentores de um estatuto moral e jurídico próprio. Sustenta-se que a espécie humana possuiria características ausentes nos restantes dos animais (razão, linguagem, capacidade moral, entre outras), o que justificaria diferente consideração de seus membros.

Sustenta-se que a espécie humana possuiria características ausentes nos restantes dos animais (razão, linguagem, capacidade moral, entre outras), o que justificaria diferente consideração de seus membros.

No entanto, tal argumento falha por descumprir dois requisitos básicos. Em primeiro lugar, as características eleitas devem estar presentes em todos os seres humanos e somente os seres humanos poderiam tê-las. Em segundo lugar, essas características devem ser moralmente relevantes.

O contínuo evolutivo que existe entre as espécies atesta que a maior parte dos atributos tidos como exclusivamente humanos é, na verdade, compartilhada pelas demais criaturas. Não bastasse isso, por diversas razões, nem todos os seres humanos são possuidores desses atributos, seja transitoriamente (por exemplo, bebês e senis), seja permanentemente (como pessoas com impedimentos cognitivos). Portanto, ao contrário do que a corte norte-americana indicou, direitos não estão necessariamente associados a deveres, pois há categorias de seres humanos que são igualmente incapazes de assumir validamente obrigações e nem por isso deixam de gozar de proteção jurídica.

O que parece ser relevante é avaliar se um indivíduo pode ser afetado no seu interesse de desfrutar de experiências positivas (sentir prazer) ou em evitar as negativas (sofrer), de modo que esse interesse fundamental constitui razão suficiente para que seja objetável tratá-los de determinadas maneiras. Essa capacidade não é, evidentemente, unicamente humana. Encontra-se presente em muitas espécies de animais.

Na era moderna, a primeira sociedade de prevenção contra a crueldade a animais foi estabelecida em 1824, na Inglaterra. De lá para cá o debate sobre a questão animal cresceu e algumas conquistas foram obtidas. Exemplo disso é a previsão, no texto da Constituição brasileira, da vedação à submissão dos animais à crueldade e a tipificação como crime dos atos de maus-tratos. Antes mesmo da iniciativa norte-americana, já tivemos no Brasil a propositura de habeas corpus para chimpanzés. Em igual sentido, neste ano, na Argentina, em decisão histórica, concedeu-se tal medida a uma primata.

Infelizmente, também tivemos retrocessos. Há alguns dias houve a aprovação da Emenda Constitucional 96/2017, que tenta legitimar as práticas que fazem uso desportivo dos animais, como ocorre com a vaquejada e os rodeios. Embora, a nosso juízo, inconstitucional, a emenda revela a dificuldade de implementar medidas eficazes de proteção dos animais.

O reconhecimento da vulnerabilidade constitui o requisito fundamental para que alguém seja considerado um sujeito de justiça e portador de direitos fundamentais invioláveis. Humanos e muitos animais compartilham dessa vulnerabilidade essencial.

Daniel Braga Lourenço
é professor de Biomedicina e de Direito Ambiental da Faculdade de Direito da UFRJ e de Direito Ambiental do IBMEC, professor permanente do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Direito da Faculdade de Guanambi e membro do Laboratório de Ética Ambiental/UFRJ-UFF.
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