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É imperiosa a responsabilização pessoal dos gestores públicos pelo descum­­­primento de deveres preventivos

A tecnologia ainda não permite que se evitem precipitações atmosféricas. Mas a meteorologia, a história, a geografia, a geologia e a estatística indicam, com razoável margem de certeza, locais e datas sujeitas a tais intempéries.

Pois bem. Cumpre ao Estado impedir inundações e deslizamentos decorrentes de chuvas de verão? Caso elas ocorram, tem o Estado responsabilidade de indenizar as vítimas? O que fazer para evitar tantos desastres no Brasil?

A discussão é complexa e extravasa a já conturbada temática da responsabilidade patrimonial do Estado. Ela se insere no debate acerca das formas de atuação e dos limites de exigência para que o Estado cumpra seus deveres, especialmente aqueles dependentes de uma atuação positiva da administração pública.

A inação administrativa que viola direitos ocorre em duas situações: descumprimento pelo Poder Executivo da lei que defina a forma de alcançar os objetivos do Estado, traçados na Constituição da República; inexistência de tal lei. No primeiro caso, pode-se mencionar um ente federativo que não detenha efetivo policial suficiente para garantia da ordem pública. No segundo caso, é possível mencionar a inexistência de uma lei que estruture a Defensoria Pública em determinado Estado membro.

A Constituição prevê o direito à dignidade e à moradia, bem como outorga competências legislativas e materiais sobre a defesa contra inundações, a melhoria das condições habitacionais, o ordenamento territorial e o uso do solo urbano. A legislação regulamenta o tema, definindo, inclusive, a infraestrutura básica a ser disponibilizada aos cidadãos. Não se discute, portanto, o dever do Estado de garantir proteção contra as chuvas torrenciais e de impedir danos delas decorrentes.

Acontece que a previsão abstrata não implica sua materialização efetiva. A solução do problema depende, muitas vezes, de que o Poder Judiciário determine à administração pública a realização dos atos voltados ao cumprimento dos objetivos consignados no texto constitucional e na lei.

O princípio da separação de poderes, compreendido de longa data como um sistema de freios e contrapesos deve ser visualizado também um sistema de freios e aceleradores. Afinal, o equilíbrio buscado depende tanto da vedação dos excessos quanto do suprimento das ausências. Se um dos órgãos do Estado deixa de agir – não legislando ou não realizando atos concretos que materializem deveres constitucionais e legais – outro órgão deve atuar de modo a coagir o próprio Estado a alcançar o resultado pretendido pela Constituição e pela lei. Essa equalização cabe ao Poder Judiciário.

É evidente, pois, a necessidade de responsabilização da Administração Pública por danos causados às pessoas, decorrentes de fenômenos naturais previsíveis. Se o Estado não pode ser um segurador universal e responsável por todos os problemas enfrentados pela população, ele deve ser compelido a cumprir seus deveres e ser responsabilizado pelo seu descumprimento. Afinal, deve-se ressaltar que chuvas de verão, mesmo as muito "acima da média", que todos os anos provocam estragos em algum lugar do país, não podem ser qualificadas como "desastres naturais" ou "força maior".

Do mesmo modo, é clara a competência do Poder Judiciário para, quando provocado, determinar a realização de medidas preventivas e, se for o caso, a própria elaboração de leis que definam especificamente as atribuições de cada ente federativo voltadas a evitar desastres anunciados. E ainda, é imperiosa a responsabilização pessoal dos gestores públicos pelo descumprimento de tais deveres preventivos.

Oxalá os poderes Judiciário, Legislativo e Executivo deem conta de evitar prejuízos sazonais anunciados, antes que o avanço tecnológico permita o controle das chuvas de verão.

Fernando Borges Mânica, doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP), é advogado e procurador doestado do Paraná.

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