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Desde o último dia 02 de agosto, assistimos a um grande alvoroço nas redes sociais, motivado pelo Ofício nº 245/2018-GAB/PR/CAPES. A Coordenação de aperfeiçoamento de pessoal de nível superior (Capes) é um órgão de fomento à pesquisa diretamente vinculado ao Ministério da Educação. E esse ofício, assinado pelo Conselho Superior da agência, busca alertar o ministro da Educação sobre os danos iminentes à educação, à ciência e à tecnologia brasileiras, caso se concretize o corte de verbas destinado à Capes. O órgão estima que o corte pode chegar a R$ 580 milhões, o que em particular colocaria em risco o pagamento de bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado a partir do segundo semestre de 2019. Essa tem sido a tônica do alvoroço generalizado.

Isso certamente é grave, pois muitos pesquisadores não têm outras fontes de renda e dependem da bolsa, já que têm dedicação exclusiva aos seus projetos de pesquisa. Mas é só a ponta de um iceberg que há tempos vem se derretendo. A diminuição de bolsas, por exemplo, é algo a que se assiste há vários anos.

Além disso, não são recentes os alertas de pesquisadores brasileiros para a falta de verba destinada à pesquisa: a professora Suzana Herculano-Houzel fazia denúncias recorrentes sobre a precarização das condições de trabalho em seu laboratório na UFRJ. Neurocientista renomada, com trabalhos reconhecidos internacionalmente, em razão das grandes contribuições que trazem para a neuroanatomia comparada, a pesquisadora era praticamente uma voz que clamava no deserto. Como a verba minguava, e sem ver perspectivas de melhora para a pesquisa nacional, em 2016 ela se mudou para os EUA, onde foi contratada pela Universidade Vanderbilt.

A diminuição de bolsas é algo a que se assiste há vários anos

Ela não foi a única pesquisadora a sair do país: mais recentemente, o professor Diego Aranha, doutor em criptografia e segurança de computadores, que reportou falhas de segurança nas urnas eletrônicas usadas nas eleições brasileiras, deixou a Unicamp, onde era docente, e se mudou para a Dinamarca, onde continuará sua carreira.

O êxodo de pesquisadores é uma tragédia. Nenhum pesquisador trabalha só. Geralmente ele integra um grupo constituído por outros pesquisadores e por alunos de graduação, mestrado e doutorado. Consequentemente, quando um pesquisador deixa o país, não só a pesquisa padece, mas também a formação de novos pesquisadores.

Os exemplos acima reforçam o ponto inicial: a crise na educação, na ciência e na tecnologia não é nova no país. E é absolutamente lamentável que alertas de pesquisadores não recebam a devida atenção. A mobilização que se vê agora, promovida por sociedades científicas, é necessária, claro. Mas demorou demais. Porque o desmonte que estamos vendo na área não é exclusivo do atual governo. Ao contrário, parece-me uma grande ingenuidade imputar a este governo toda a responsabilidade pelo problema.

Leia também: Hipotecando o futuro (artigo de Alexandre Cunha, Carlos Strapazzon e Anderson dos Santos, publicado em 9 de agosto de 2018)

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A crise resulta do fato de educação, ciência e tecnologia não serem política de Estado neste país. E isto é assim há décadas, independente de quem já esteve ou de quem está no governo, nas suas várias esferas. Para virar o jogo, é imperativo tratar educação e pesquisa como política de Estado e abandonar a concepção vigente de que a verba destinada à educação e à pesquisa configura “gasto”. Essa verba, ao contrário, é investimento. Investimento de longo prazo, cujos frutos se colherão daqui a quinze, vinte anos.

Neste sentido, e considerando que estamos em ano de eleição, é preciso cobrar dos candidatos – à Presidência da República, aos governos estaduais, ao Senado Federal, às assembleias legislativas, à Câmara dos Deputados – suas plataformas para ensino, ciência e tecnologia. Não basta que os candidatos digam vagamente que isso tudo “é importante”. Isso é discurso vazio. É preciso muito mais: é necessário mostrar planos concretos para lidar com esses aspectos. Até agora, pelo que sei, candidato nenhum expôs essas plataformas.

Tal cobrança deve vir não só das diversas sociedades científicas, mas da sociedade civil em geral. Afinal, nós nos beneficiamos grandemente das pesquisas feitas no país, sejam elas voltadas a novas técnicas de ensino, sejam elas voltadas ao desenvolvimento de fármacos, como as vacinas, sejam elas voltadas para o desenvolvimento de espécies vegetais resistentes a pragas.

Finalmente: se não dermos atenção ao grito de socorro da Capes, muito provavelmente veremos derreter não só a ponta do iceberg da educação, ciência e tecnologia. Assistiremos ao derretimento de todo o iceberg.

Adelaide H. P. Silva é professora associada do Departamento de Literatura e Linguística da UFPR, doutora em Linguística pela Unicamp.
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