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 | Ewan Le Bourdonnec/AFP
| Foto: Ewan Le Bourdonnec/AFP

Estarrecedor e vergonhoso! Sinceramente, e com todo o respeito, o incêndio sem vítimas que destruiu o Museu Nacional me impressionou mais do que o ataque às Torres Gêmeas. As cenas de queima de livros pelos nazistas na Segunda Guerra também ficaram parecendo uma brincadeira, uma espécie de “São João de alemão”.

Enquanto uma tímida diretora da instituição falava em “perda irreparável” emoldurada por labaredas de 50 metros de altura, usando o sempre morno discurso daqueles que entram ao vivo diante das câmeras, o que há de mais caro para esse “país” se perdeu – daqui em diante, devemos usar a palavra “país” com letras minúsculas.

Ficamos minúsculos em uma noite de domingo em que, entre uma rebolada e outra das bailarinas do Faustão, eram veiculados flashes de imagens da maior catástrofe nacional. Possivelmente, essas imagens eram assistidas ao vivo por membros da brigada de incêndio que lá deveriam estar, enquanto davam goles de cerveja barata com pés “chineludos” já apoiados sobre a mesa de centro de suas casas. Tranquilo; afinal, a culpa dessa vergonha internacional não é vossa, chineludos fãs de cerveja!

Nossa “orgulhosa” sociedade implosiva – e destrutiva – só não conseguiu liquidar um monólito de 4,5 bilhões de anos

Somos agora, também, todos “pés de chinelo”. Reputação luminosamente assumida e que nos envergonha também diante dos irmãos de Portugal, de onde veio a família real em fuga e que, crédula em uma nação próspera, aqui formou um museu dessa expressão. Dom João VI, Dom Pedro I e, principalmente, Dom Pedro II não esperavam por essa. Se esperassem, teriam levado tudo de volta para Portugal, para onde muitos de nós, já sem esperança, gostaríamos de ir hoje.

Em tempo: aqueles que por convicção ideológica ou desconhecimento fazem caricaturas da família real portuguesa deveriam buscar mais informações sobre as transformações que ela promoveu neste (até então) território. Se bem que isso também não é mais possível, pois parte daquilo que era nossa memória, escondida em porões úmidos exclusivamente visitados por frequentadores de universidades e Iphans, agora está incinerado nas mãos de pessoas comuns, quilômetros distantes do epicentro da tragédia.

Já vi listas e grupos de universitários dispostos a fazer vaquinhas, mutirões e “mobilizações” para a recuperação de acervo perdido. Que piada! Certamente não veremos nenhum estudante do Rio de Janeiro fora dos bares onde, em vez de ingerir chope gelado, deveriam bater com força e raiva nas portas de reitores, deputados, administradores e dirigentes de BNDES para, com um solene chute nos respectivos traseiros, mandar todo mundo para a rua de maneira humilhante – e mais não sugiro, pois assim parecerei um “incitador da violência”.

Opinião da Gazeta: O retrato do descaso (editorial de 3 de setembro de 2018)

Leia também: A derradeira chama de 2015 (editorial de 27 de dezembro de 2015)

Mas eles já conseguiram rapidamente colocar a culpa em um objeto inanimado e com mira a laser que, aparentemente, tem raiva de ambientes antigos e de grande relevância cultural: o balão. Como acreditar que, para fugir de gente assim e de uma situação dessas, a saída não seja o aeroporto internacional? Mesmo com o risco de um novo balão interditar nossa rota de decolagem e fuga...

Danem-se os ufanistas de plantão! Não dá pra ser brasileiro com muito orgulho ou com muito amor. Nossa “orgulhosa” sociedade implosiva – e destrutiva – só não conseguiu liquidar um monólito de 4,5 bilhões de anos que sobreviveu a viagens espaciais galácticas. Ficou o símbolo da resistência universal, que ignora nosso pequeno tamanho como sociedade e nosso (se tudo der certo) curto espaço de tempo neste planeta.

Ficamos, depois desse episódio de deliberada destruição de nossa história e cultura, com o “Bendegó” na janela.

Tom Grando é mestre em Biologia e especialista em Políticas Publicas para o Meio Ambiente pela Usaid.
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