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| Foto: Felipe Lima

É importante começar destacando o óbvio: salvo exceções absurdas (e normalmente não confessadas), nenhum cidadão apoia a corrupção. A pesquisa da IPCLBrasil/FGV demonstra isso: 80% dos brasileiros avaliam negativamente o descumprimento das leis – pelos outros. Ressalto isto porque a mesma investigação mostra altos índices de confissões em relação à prática de atos de descumprimento da lei. Nota-se, portanto, uma clara duplicidade de padrões.

Ou seja: temos mesmo uma configuração institucional relacionada ao não cumprimento da lei – a chamada “cultura da corrupção”. Isso é um problema e precisa ser solucionado. A questão que se põe é justamente quais são as soluções para esse quadro de coisas que não é apenas moral e individual, mas institucional e sistêmico.

A dezena de medidas centra-se, grandemente, na tônica repressiva do aumento da punição

O processo penal “jabuticaba”

Nos países conhecidos como berços das garantias individuais, como França e Estados Unidos, a presunção de inocência vigora até a decisão do juízo de primeiro grau

Leia o artigo dos procuradores Diogo Castor e Carlos Fernando dos Santos Lima

É neste cenário que avultam, com a força da popularidade da Operação Lava Jato, as “10 Medidas Contra a Corrupção” propostas pelo Ministério Público Federal, vertidas em projeto de lei de iniciativa popular. É elogiável, por evidente, o propósito do MP, mas não bastam boas intenções. Se estamos de acordo com a premissa motivadora das medidas, pois é necessário romper com o ciclo vicioso da corrupção em nosso país, divergimos no sentido essencial das soluções apontadas. A dezena de medidas centra-se, grandemente, na tônica repressiva do aumento da punição e apenamento do idioma do direito penal, muitas vezes às custas de garantias constitucionais muito caras.

A resposta oferecida pelas “10 Medidas”, ao dialogar quase unanimemente com o idioma do direito penal – que deveria ser a última resposta que o Estado oferece, pois é o uso da violência institucionalizada –, mostra-se impossibilitada de oferecer uma solução de ruptura, já que não investe na prevenção do problema, mas em atacá-lo uma vez ocorrido. Mudanças comportamentais institucionais, investimentos efetivos em educação, questões do financiamento eleitoral e a contratação de serviços estatais, eis os pontos necessários para pensar o futuro e as soluções. Mas a única medida com enfoque preventivo nem sequer menciona a educação como pedra angular para a mudança de cultura. Ainda, como medida preventiva, há a abstrusa proposta da realização de “testes de integridade por parte dos agentes públicos” numa espécie de “pegadinha” típica de programas dominicais de mau gosto que parte do pressuposto da desonestidade como regra.

Afora isso, o maior problema nas tais medidas é a flexibilização de garantias constitucionais integrantes do estatuto de proteção dos direitos fundamentais e do sistema internacional de proteção dos direitos humanos do qual o Brasil é signatário. Cite-se, a título de exemplo: a proposta de punição penal mesmo quando não for possível descobrir ou comprovar quais foram os atos específicos de corrupção praticados viola a tutela constitucional penal da estrita legalidade; as restrições sugeridas que amesquinham o writ do habeas corpus; a proposta que amesquinha a presunção de inocência até o trânsito em julgado; a aceleração de prazos e procedimentos que podem colidir com o direito à ampla defesa e contraditório no caso concreto; ampliar as preclusões de alegações de nulidades às custas do devido processo legal; a possibilidade de prisão preventiva para reaver valores desviados subverte o comando constitucional que afirma que ninguém será preso por dívidas; a possibilidade de confisco alargado decorrente da prática delituosa também pode usurpar as fronteiras da legalidade penal estrita e da proteção constitucional ao patrimônio. Os exemplos dados não apenas arrepiam o garantismo constitucional, mas também não vão ao cerne da questão.

Não há dissonância na necessidade do combate à corrupção. Apenas se espera que seja substancial, institucional e sistêmico, e não se traduza também em combate à Constituição.

Melina Girardi Fachin é professora da Faculdade de Direito da UFPR.
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