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Não preciso ser poupado de fazer meu próprio ‘smoothie’
| Foto: Pixabay

Todo ano, passo um mês inteiro cozinhando tudo o que como a partir do zero – todos os meus cafés da manhã, todos os meus almoços e todos os meus jantares. A ideia não é nova; ao longo de muitas gerações, ela era conhecida simplesmente como "vida". No entanto, toda vez que tento preparar alguma coisa rápida no dia a dia, aquele grupo de empresas populares de entrega de refeições que gosto de chamar de Complexo Industrial de Comidas Preparadas (CICP) conspira para me impedir.

Elas vêm atrás dos meus smoothies. Faço um quase todo dia, de manhã, em um processo que leva, no máximo, uns dez minutos, mas o CICP diz que estou perdendo meu tempo: eu poderia receber meu smoothie por remessa! Chegaria na forma de um copo descartável cheio de frutas congeladas... que eu teria de bater. Mas, poxa vida, pense nas árvores que eu teria matado, ou, nossa, o tempo que teria economizado!

Não me entra na cabeça um smoothie que chega por entrega. Para o Complexo Industrial de Comidas Preparadas, isso é normal – e, se preferir, posso receber um bagel. O mercado de entrega de comida, que movimenta US$ 17 bilhões, é bem flexível e tem a melhor das intenções. Tudo que essas empresas querem é me permitir ter minha vida de volta, mantendo-me fora da cozinha – para ter mais tempo para o YouTube, mais tempo para o CrossFit –, e criaram uma infinidade de meios para isso.

Será que eu não deveria investir tempo na cozinha?

Acontece que a verdade não muito secreta a respeito do CICP é que alguns desses serviços não economizam tempo nenhum, e todos exageram o tempo e o trabalho que a preparação culinária envolve.

De fato, grande parte do CICP vende a ideia de que qualquer tempo e esforço dedicado à cozinha é desperdício. O objetivo, segundo declara uma empresa de kits de refeições, é "economizar tempo para ganhar tempo para todas as outras coisas que você queira fazer" (contanto que o que queira fazer não seja "cozinhar a partir do zero"). Outra companhia nos mesmos moldes exalta os smoothies entregues em casa como uma ideia revolucionária, porque "não há tempo para pesquisar, preparar, comprar, medir e bater antes de sair para o trabalho" (tem certeza de que estamos falando de smoothies? Parece mais a descrição da montagem de uma cadeira da Ikea).

Há alguns anos, o serviço de entregas de restaurantes Seamless fez uma propaganda que aconselhava o nova-iorquino a "cozinhar quando estiver morto, ou morando em Westchester". A implicação era a de que, a menos que você fosse rico e velho, a cozinha era uma perda de tempo e energia, sem contar que sofre de uma grave falta de glamour.

É verdade que, quando se trata de cozinha, os ricos têm vantagens. Uma das maiores injustiças, aliás, que sofre a população de baixa renda são as muitas dificuldades de preparo das refeições em casa: horários de trabalho que mudam constantemente, falta de acesso a mercearias, cozinhas pequenas sem os equipamentos mais básicos. Quem sabe, um dia, o CICP desenvolva um kit de refeições voltado para esse pessoal, uma caixa de produtos frescos a preços acessíveis que acabe com o calvário que é fazer compras e resulte em jantares simples e deliciosos.

No momento, porém, o CICP tem na mira gente com bastante dinheiro para gastar, cobrando mais ou menos US$ 32 para cada refeição para quatro pessoas – tudo em nome da "economia de tempo".

Luiz Felipe Pondé: O cansaço dos materiais (29 de maio de 2017)

Leia também: Produto orgânico e consumo responsável (artigo de Vera Lucia Ferreira, publicado em 26 de maio de 2016)

Mas será que eu não deveria investir tempo na cozinha? Tenho sorte de ter várias horas livres por semana. Passar parte delas comprando ingredientes e preparando minha comida me parece menos uma escolha e mais uma opção inteligente de sobrevivência. Por acaso a gente pergunta às pessoas como elas encontram tempo para beber água? Para mastigar? (aliás, um executivo da tal empresa de smoothies deve estar fazendo essa pergunta para alguém neste exato momento).

Depois que comecei a preparar todas as minhas refeições para o mês em casa, percebi que o CICP se baseia em uma premissa totalmente errada. Cozinhar não é uma atividade irritante, uma perda de tempo; é terapia. E, de qualquer forma, quanto mais cozinho, mais rápido o processo se torna porque as sobras do molho de tomate da quinta viram o shakshuka do sábado. Com um pouquinho de planejamento, as outras supostas inconveniências do processo também desaparecem: ao cozinhar tudo de uma vez, elimino a eterna dúvida do que comer no jantar e, com uma compra semanal grande no supermercado, não preciso parar em lugar nenhum na volta do trabalho.

Conclusão: quem cozinha em casa é mais saudável, consome menos sódio e, no geral, menos calorias do que aqueles que comem fora. Cozinhar em casa é melhor para o planeta: evita o uso de plásticos e papéis descartáveis que normalmente vêm com o delivery e, com um pouco de criatividade com as sobras, pode praticamente acabar com os dejetos. De fato, o ato de cozinhar está sendo estudado como uma ferramenta promissora para melhorar a saúde mental e até eliminar comportamentos pouco saudáveis, como o fumo. E não importa de que restaurante você peça, sempre haverá uma refeição caseira que pode ser preparada por menos.

Se cozinho em casa todos os dias do ano? Claro que não. Gosto demais do hambúrguer do meu bistrô favorito para isso. Só acho que não há motivo para eu não fazer meus próprios smoothies – porque não precisamos ser poupados de prepará-los. Quando planejamos, e cortamos e batemos o smoothie em casa, é ele que nos poupa a vida.

David Tamarkin é diretor do site Epicurious e autor de COOK90: The 30-day plan for faster, healthier, happier meals.

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