Vivemos a era da sociedade digital, em que por trás dos bits e bytes, das interfaces gráficas, dos cliques, e-mails, downloads, existem pessoas, indivíduos com direitos que são protegidos pelas leis não apenas do Brasil como internacionais.
Então, como fica o Direito quando é preciso resguardar um usuário para que não seja vítima da tecnologia, do uso inadequado, antiético e até ilegal de uma série de serviços e ferramentas feitos para o bem, mas cujo poder de destruição é global e em tempo real quando não está presente o bom senso?
As regras sociais são construídas com base em valores, que estão vinculados ao modelo de riqueza de uma determinada época evolutiva da humanidade. Na revolução agrícola, protegemos a terra e a propriedade privada. Na revolução industrial, protegemos os bens de produção e o capital. E agora, na terceira grande revolução, que é da informação, temos de proteger os ativos intangíveis, notadamente a imagem (marca e reputação) e o conhecimento (bancos de dados, conteúdos, softwares e outros).
Sendo assim, juridicamente, há leis que priorizam o indivíduo, em detrimento da coletividade, e muitas dessas foram conquistadas com muita luta nos últimos anos, praticamente da 2.ª Guerra Mundial para cá. Como exemplo, temos o direito à privacidade e proteção da imagem, bem como os direitos autorais. E existem leis que protegem a coletividade, o bem comum, sendo a mais usual, nos últimos tempos, a que coloca acima de tudo a segurança, por exemplo.
O direito à liberdade de expressão, bem como a livre iniciativa, são direitos também contemporâneos, e devem ser harmonizados com os demais. Mas como fica isso com a internet, ainda mais com sua evolução em um modelo interativo, como é a web 2.0 e até 3.0?
A principal questão a ser colocada é que a internet não é e nem pode ser uma terra sem lei. Deve sim ser o mecanismo potencializador da sociedade digital, permitindo o desabrochar de uma nova etapa da civilização, com muito mais acesso à informação, mais democrática, mas também mais ética. Não podemos assistir omissos, nem aplaudir o uso não autorizado da imagem de um indivíduo, sua disseminação com cunho de difamação, de ofensa, entre outros. A lei já existe, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5.º, inciso X, protege o direito à imagem, dentro de um dos direitos da privacidade, como um bem maior, inclusive frente à própria coletividade.
Ou seja, se qualquer pessoa for vítima da tecnologia ou tiver sua imagem utilizada de modo indevido considerando todas as câmeras e celulares que nos rodeiam, até mesmo nas escolas, onde uma criança não está protegida de situações em que um coleguinha tire sua foto e coloque no Youtube, no Orkut ou em um blog tem o direito de ser protegida pela Justiça. Isso pode ocorrer com qualquer um.
Por isso devemos refletir, pois estamos vivendo em rede, como uma grande comunidade digital em que a conduta de um causa impacto a todos e pode até tirar um serviço do ar, se o mesmo for mal utilizado. Devemos lembrar que as máquinas são testemunhas de nossas condutas; não estamos sozinhos, não há anonimato. Ao contrário, no Brasil o anonimato é proibido pela Constituição. Sejamos, portanto, cidadãos digitalmente corretos e utilizemos o melhor que a tecnologia pode nos dar, educando as atuais e próximas gerações para o uso ético e legal.
Patricia Peck é advogada especialista em Direito Digital, sócia do escritório PPP Advogados, com sede em São Paulo