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O Bradesco decidiu agir para combater a violência psicológica de que é vítima seu robô.
O Bradesco decidiu agir para combater a violência psicológica de que é vítima seu robô.| Foto: Reprodução/ YouTube

Ainda está em curso a polêmica a respeito da decisão do Bradesco de elaborar uma campanha para combater o assédio contra BIA, a atendente virtual da empresa que opera por meio de inteligência artificial. Qualquer ser humano com um mínimo de ética sabe que alguém que xinga ou busca humilhar uma mulher, ou uma representação dela, é um canalha, para utilizar uma expressão de Nelson Rodrigues. Embora antiga, a palavra ainda é insubstituível para essas atitudes.

Porém, uma certa direita brasileira já saiu correndo para passar vergonha em primeiro lugar, como costuma fazer. Sem compreender o básico, saiu vociferando que xingar uma máquina não é o mesmo que xingar uma mulher de carne e osso, e que já havia dito impropérios para o aspirador de pó e outros eletrodomésticos de sua casa. E dá-lhe dizer que o progressismo é isso e aquilo, mimimi, e blablablá.

Essa ainda púbere direita brasileira é incapaz de compreender que o sujeito que se dirige à inteligência artificial do Bradesco e pede para transar com ela não está se dirigindo a um robô, mas à representação feminina ali escancarada em sua frente. Mas essa obviedade não é compreendida. E tira sarro da campanha, e se acha superior só porque resolveu mais um problema de forma muito fácil. Da forma errada, como de costume, mas resolveu.

Poderíamos deixar essa certa direita no seu canto, mas a questão é que, sem querer, ela dá força para o politicamente correto. Explico-me: a ação do Bradesco e de sua agência de propaganda é, evidentemente, certa pela causa que defende. O assédio a uma mulher ou a sua representação (repito na esperança de ser compreendido) é abjeto. No primeiro caso, crime; no segundo, passível de uma campanha de conscientização, como a empresa está fazendo. Portanto, nenhuma objeção à propaganda.

Mas algo cheira mal na campanha do banco, como em todos os politicamente corretos de hoje. Muitas vezes, as causas que defendem são justas, mas se resumem a elaborar campanhas, agitar bandeiras, fazer discursos, mas jamais praticar o que falam. Agora somos capazes de identificar o cheiro de muitos casos de politicamente correto: hipocrisia.

Por esse motivo, a reportagem da Gazeta do Povo intitulada “Bia x Beatriz: mulheres reais não são protegidas contra o assédio no Bradesco” é brilhante. Afinal, qual é a única forma de lidar com a hipocrisia? Denunciando-a. É preciso mostrar de forma clara que “suas ideias não correspondem aos fatos”, como já foi até cantado.

A reportagem da Gazeta mostra que o banco é célere em promover campanhas de conscientização apenas para parecer preocupado com as mulheres. Porém, a prática é outra, já que assédio moral é comum e as denúncias de assédio sexual por parte de clientes são ignoradas, levadas na brincadeira ou como uma chance de se fechar mais um negócio. Basta ler um pequeno trecho da reportagem – depoimento de uma ex-funcionária – para perceber uma conduta dupla:

Tive outro gestor que dizia para nós, mulheres, usarmos saia e decote, para fazer visitas aos clientes. Um cliente me mandou mensagens com cantadas, levei para o conhecimento da minha gestora e ela riu, dizendo que eu estava arrasando corações e nada fez. Inclusive para bater uma meta de consórcio disse para eu ligar e oferecer para o cliente, pois ele estava ‘apaixonadinho’ e compraria a carta.”

Não é fácil desvelar a hipocrisia nas pessoas. Entretanto, é mais fácil quando institucional. A empresa fala sobre racismo e faz questão de ter negros em suas propagandas? OK. E o que ela faz pelos negros? Quais oportunidades oferece, especialmente na própria empresa? Nenhuma? Bom, então se trata de mero discurso. Fala a respeito de incluir todos e que somos iguais, mas não tem nenhum programa específico para pessoas com deficiência, transtorno, síndrome? Pura hipocrisia. Faço questão de mencionar transtorno e síndrome porque é para essas pessoas que as empresas menos olham, e isso porque dá menos repercussão social, lamentavelmente.

O politicamente correto é prejudicial para a sociedade porque não leva em conta a verdade, mas sim o discurso. No fim das contas, é o velho jogo das aparências. A preocupação não em ser bom, mas parecer bom segundo os valores de uma determinada época. Por isso que, assim como fez a reportagem da Gazeta, é preciso denunciá-lo, prestando um serviço à verdade.

Eduardo Gama é mestre em Literatura, professor de Redação e de Literatura, jornalista e publicitário.

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