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Recentemente, a Itália negou a extradição de Henrique Pizzolato, brasileiro condenado no processo do mensalão, mas foragido da Justiça nacional. Pode-se criticar a posição italiana, mas ela já estava desenhada havia anos e representa o óbvio.

Como se sabe, antes de cumprir a pena, o condenado fugiu para a Itália pelas porosas fronteiras nacionais. Embora esperasse encontrar guarida naquele país, acabou preso por causa de um pedido de extradição brasileiro. Agora, a Corte de Apelação de Bolonha decidiu negar a extradição especialmente, ao que tudo indica, pelo risco de submissão do brasileiro a penas desumanas, cruéis ou degradantes nas penitenciárias nacionais.

A decisão não parece ser política ou retaliatória por conta do caso Battisti, como se aventa – no último dia do governo Lula, o Executivo brasileiro entendeu que o terrorista italiano, condenado à prisão perpétua por vários homicídios, era vítima de um processo de perseguição política e negou a extradição. Essa decisão causou extremo desconforto nas relações diplomáticas entre os dois países.

Diferentemente (goste-se ou não), a decisão da corte italiana viria justificada por precedentes muito claros. Além de notório no mundo todo que o sistema carcerário brasileiro é escandalosamente violador dos direitos humanos, a Justiça italiana está constrangida por poderosas forças internacionais: precedentes da Corte Europeia de Direitos Humanos reconhecem como violação da regra que impede a tortura e o tratamento cruel, desumano ou degradante a simples extradição do cidadão para um país em que ele possa acabar sujeito a tal tratamento. A Itália precisa respeitar essa regra ou será reconhecida como violadora das regras comunitárias, daí ser necessário adaptar sua jurisprudência ao precedente internacional.

A decisão seguiria, ainda, a recente jurisprudência italiana. No fim de 2013, a Corte de Cassazione negou a extradição ao Brasil de um holandês, aqui condenado a 17 anos de prisão, por causa do "risco de tratamento desumano no cárcere". A decisão reconheceu que "a situação dos cárceres brasileiros é há muito tempo endemicamente caracterizada (...) pela prática de violência e pelo abuso de poder contra os internos por parte tanto de grupos criminosos internos, conhecidos e tolerados pelas autoridades carcerárias, quanto pelos próprios agentes carcerários; tudo isso diante de um estado de decadência e inadequação estrutural dos edifícios prisionais que são causas visíveis da superlotação e de carências higiênicas e sanitárias que favorecem a propagação de doenças infecciosas graves". Tais condições, pela decisão, configuram "tratamento ao menos degradante, senão desumano ou cruel". Ou seja, a decisão no caso Pizzolato, no que toca a essa questão peculiar, não é propriamente uma novidade.

É natural que a decisão cause desgosto no Brasil, que não poderá punir o condenado em um julgamento tão importante. Mas a autocrítica exige que, em um mundo cada vez mais universalizado, o Brasil, se quiser exercer sua soberania penal, reveja urgentemente as suas práticas punitivas. Especialmente porque é sintomático que o sistema carcerário brasileiro acabe posto à prova justamente pela experiência internacional e apenas quando o condenado goza de uma condição social e política diferenciada.

Enquanto isso, nossos juízes não reconhecem tais violações de direitos fundamentais e continuam lotando as prisões de gente. É fundamental que se reflita sobre isso com urgência.

Rui Carlo Dissenha, doutor em Direitos Humanos pela USP, é professor de Direito Penal do curso de Direito da Universidade Positivo.

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