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Vista do porto de Pireu, Grécia.
Vista do porto de Pireu, Grécia.| Foto: Nikolaos Diakidis/Wikimedia Commons

Pireu, a cidade portuária que garantiu a Atenas poderio comercial e naval ao longo de sua tumultuada história, é palco de novo conflito, desta vez colocando os interesses locais contra o desenvolvimento econômico e a estratégia global de uma superpotência. Bom, pelo menos essa é a história que os políticos gregos em guerra estão contando.

Arqueólogos gregos sustaram um investimento de mais de 612 milhões de euros oferecido por uma empresa chinesa para reformar e expandir o porto da cidade, como parte da iniciativa Um Cinturão, Uma Rota, de Xi Jinping. No início do mês passado, o Conselho Central de Arqueologia da Grécia, que é um órgão consultivo, propôs declarar tudo que se encontra no perímetro da antiga cidade – que praticamente coincide com o centro comercial e o porto atual – como um único sítio arqueológico. Isso daria aos arqueólogos maior poder de monitoração sobre as obras e definição dos projetos de construção para preservar os achados.

Na parte que lhe toca, a autoridade portuária local – da qual a estatal chinesa Cosco Shipping possui 51% das ações – teme que a designação cause sérios atrasos na obra. Até a embaixada chinesa acabou se envolvendo depois da proposta, exigindo garantias de que os planos de expansão do porto não acabassem abortados.

Os dois lados estão esperando a ministra da Cultura, Myrsini Zorba, anunciar se aceita a proposta na íntegra, se em parte ou se a rejeita totalmente. Dependendo do que acontecer, a Grécia pode se ver em uma disputa diplomática com seu maior investidor estrangeiro num momento em que precisa desesperadamente de uma injeção de capital externo.

Escavar praticamente em qualquer lugar do país rende traços da antiguidade

A verdade, porém, é que essa história talvez tenha mais a ver com o circo político da Grécia moderna do que com o passado interferindo no futuro.

Escavar praticamente em qualquer lugar do país rende traços da antiguidade: da pré-história, das eras clássica, helenística e romana, e das ocupações bizantina e turco-otomana. A construção do sistema metroviário da capital, há duas décadas, acabou se transformando na maior escavação arqueológica que a cidade já vira – o que causou atrasos e gerou custos adicionais, mas achados significativos foram incorporados nas estações e artefatos importantes foram para os museus, oferecendo à cidade e seus visitantes uma compreensão mais profunda do passado. O mesmo está acontecendo hoje em Tessalônica, segunda maior cidade grega, que está construindo seu sistema metroviário.

O Pireu, uma península estéril, foi estabelecido pelos atenienses como principal porto comercial e bélico em meados do século 5.º a.C. Fizeram-no murado e ligado a Atenas, que fica a poucos quilômetros de distância, fazendo do original um projeto bem interessante. Atribuído a Hipódamo, primeiro planejador urbano de que se tem notícia na Grécia Antiga, foi planejado para refletir os princípios democráticos dos fundadores.

Abrigava mercadores locais e estrangeiros, além dos cidadãos que cuidavam das embarcações de guerra, cruciais para a democracia e o império de Atenas. Seu planejamento refletia seu destino até então: a ocupação macedônia, no século 4.º a.C., que trouxera o declínio econômico, enquanto o comércio durante a era romana gerou recuperação e a construção de novos palacetes. Em 86 a.C., os romanos saquearam Atenas e Pireu, e o porto ficou praticamente abandonado. Desde o século 19, porém, ocupa posição de destaque no desenvolvimento grego.

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Quatro estátuas de bronze magníficas que sobreviveram desde a Grécia Antiga – muito provavelmente enterradas para que os romanos não as encontrassem – foram descobertas na região central, em 1959, por funcionários da concessionária local de água e esgoto. Desde então, as obras do metrô e de extensão do bondinho vêm revelando muita coisa sobre o passado da cidade, com as equipes de arqueólogos e o pessoal da obra trabalhando juntos para preservar os achados. De fato, os contratos de projetos grandes seguem um modelo rígido, com as construtoras pagando pelas escavações.

A autoridade portuária expressou seu desejo de respeitar o passado e conservar as antiguidades, segundo o acordo de concessão ratificado pelo Parlamento grego, que inclui o pagamento de 2,5 milhões de euros pelas restaurações das muralhas antigas.

Mas, então, qual o objetivo de declarar praticamente a cidade inteira como um sítio arqueológico? E, se a decisão é tão importante para o setor, por que não foi tomada antes? Membros do Ministério da Cultura garantem que, se a proposta do conselho for aceita, as obras não vão parar. "Estaremos afirmando que há uma cidade antiga sob esta cidade", um deles me disse. Só que isso nunca esteve em questão.

A Grécia realizará eleições municipais neste 26 de maio. Nikos Belavilas, candidato do Syriza, partido esquerdista do primeiro-ministro Alexis Tsipras, está em desvantagem nas pesquisas. Mostrar-se crítico em relação ao projeto chinês faz com que pareça um guardião do passado da cidade; além disso, atrai o eleitor esquerdista, cético em relação à novidade chinesa. Entretanto, também se mostra cuidadoso: diz que apoia o investimento chinês, mas também recebeu bem a proposta, classificando-a como "aplicação da lei". E disse a um site nacional de notícias: "Quando os investidores não têm a mentalidade de conquistadores ou colonizadores, tudo é possível".

Mostrar-se crítico em relação ao projeto chinês faz com que pareça um guardião do passado da cidade

Por outro lado, o Nova Democracia, de centro-direita, principal partido de oposição, atribuiu a intervenção do Conselho às "obsessões ideológicas" do governo, dizendo que elas "afetam negativamente a atividade de construção no maior porto do país". O atual prefeito, Yannis Moralis, afirma que ninguém sabe como a efetivação da proposta vai afetar a vida e o comércio da cidade.

Tsipras esteve em Pequim em 27 de abril para o fórum do Um Cinturão, Uma Rota, no qual o porto de Pireu foi apresentado como um dos projetos que reafirmam a ligação chinesa com a economia global – mas o fato é que o primeiro-ministro já aderira a essa posição. Quando o Syriza assumiu o governo, no início de 2015, opôs-se à privatização a princípio, mas os credores da Grécia forçaram uma adaptação, levando à venda da maior parte das ações do porto em agosto de 2016. A empresa chinesa, que tem um terminal de contêineres ali há quase dez anos, afirma que seus investimentos já geraram 3 mil empregos diretos e 10 mil indiretos.

Quase dois meses após a proposta do Conselho, a ministra da Cultura ainda não tomou uma decisão, convenientemente ligando o drama em relação ao projeto do Pireu com as eleições municipais e do Parlamento Europeu, também em 26 de maio – o que permite ao Syriza dizer aos eleitores que luta contra os grandes interesses, mesmo que assine acordos com eles.

Nikos Konstandaras é colunista do jornal grego Kathimerini e contribui para a coluna de opinião.

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