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| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

Na tentativa de resolver o problema das concessões malsucedidas no governo Dilma e trazer novos investimentos para os setores rodoviário, ferroviário, portuário e aeroportuário, o governo deve publicar nos próximos dias a regulamentação que permite a devolução amigável dessas concessões. Isso até pode resolver o problema das concessionárias atuais que acumulam prejuízos com estruturas pouco rentáveis. Porém, a questão principal é: qual investidor estaria interessado em uma concessão que trouxe prejuízos para as atuais administradoras?

A primeira questão que deveria ser revista pelo governo é a forma como os contratos são redigidos. A licitação sempre traz estudos e indicativos de que a concessão será bastante rentável, entretanto, em muitos casos, esses dados são superestimados.

Basta analisar a questão do aeroporto de Viracopos. Depois de diversas tentativas malsucedidas de reequilibrar os investimentos e de venda de parte da concessão, uma das empresas que controla o consórcio acabou entrando com pedido de recuperação extrajudicial. A negativa de financiamento de longo prazo, prometido pelo BNDES no início do contrato, também não contribuiu para isso. Nesse caso, em específico, ainda existem outros fatores internos que foram desfavoráveis à concessão, mas o baixo movimento do terminal foi o principal.

No entanto, esse não é caso isolado. No setor rodoviário outras duas companhias protocolaram o pedido de adesão à devolução amigável: a concessionária Acciona que administra a Rodovia do Aço, entre Rio de Janeiro e Minas Gerais, e a Invepar que detém a concessão da Via 040, trecho da BR-040 que liga o Distrito Federal, Goiás e Minas Gerais. Ambas as empresas avaliaram que as condições econômicas impediriam o cumprimento do contrato.

Não adianta criar licitação embasada em elementos supervalorizados, se depois o contrato terá de ter diversos aditivos e disputas judiciais

Por mais que existam críticas às concessões, principalmente quando se trata de rodovias, pois pesa a cobrança de pedágio à população, os contratos deveriam ser mais equilibrados e com contrapartidas adequadas aos investidores. Não adianta criar licitação embasada em elementos supervalorizados, se depois o contrato terá de ter diversos aditivos e disputas judiciais.

O contrato adequado deve ser realista, distribuir riscos de forma eficiente e ser flexível para garantir a adequação a circunstâncias imprevisíveis. Desta forma, é possível trazer segurança jurídica a setor tão problemático como o de infraestrutura. Isso não ocorreu com as concessões em 2013 e hoje vemos essas administradoras interessadas em devolver as concessões.

A política de licitações precisa ser revista para que a distribuição de riscos seja melhor equalizada. O reequilíbrio econômico dos contratos deve ser feito com base no plano de negócios. Se isso não acontecer, corre-se o risco de que as próximas licitações sejam iguais as de 2013 – o que só afastará ainda mais os investidores.

Nesses casos, a avalição de contratos de alto risco tem suas consequências: ou não aparecem interessados na licitação – o que é muito comum – ou o risco é precificado, resultando no aumento da tarifa do serviço ao usuário final.

Leia também: Nossa matriz de transportes desequilibrada (artigo de Fernando Simões Paes, publicado em 12 de junho de 2018)

Opinião da Gazeta: Uma saída para as concessões problemáticas (editorial de 28 de junho de 2018)

Outro fator que precisa ser revisto pelo governo é a falta de sistematização das agências reguladoras, que impõe custos à iniciativa privada e à população. A maioria das agências não regulamentou a Análise de Impacto Regulatório (AIR), instrumento que qualifica a atuação das agências para que sejam mais eficientes. Essa regulamentação vai orientar a análise econômica dos custos, benefícios e dos possíveis efeitos de determinada decisão feita pela agência.

Em se tratando de licitação, muito ainda precisa ser melhorado para evitar a devolução das concessões – devolução que só onera as empresas e a população. As empresas porque perdem investimentos e a população porque pode ficar sem o atendimento necessário durante o processo de nova contratação.

E o que é pior. Via de regra as devoluções das concessões vêm atreladas a infindáveis discussões judiciais. Um dos pontos mais problemáticos reside na reversibilidade dos bens. O artigo 18, da Lei 8.987/1995 (Lei de Concessões), indica que o edital de licitação conterá “as características dos bens reversíveis e as condições em que estes serão postos à disposição, nos casos em que houver sido extinta a concessão anterior”.

Outro fator que precisa ser revisto pelo governo é a falta de sistematização das agências reguladoras, que impõe custos à iniciativa privada e à população

A mesma lei prevê ainda que, na extinção da concessão, todos os bens reversíveis, direitos e privilégios transferidos devem retornar ao poder concedente. E tal assunção dos bens autoriza imediatamente o poder concedente a ocupar e utilizar as instalações e os bens reversíveis. Em muitas situações, porém, liminares judiciais impedem a assunção da concessão pelo poder concedente até que se realize a devida indenização, gerando situação particularmente não recomendada.

Diante da omissão do poder concedente em indenizar corretamente o concessionário, passa-se a um ambiente em que o serviço não é prestado a contento nem por um, nem por outro dos envolvidos. Nessa situação, o maior prejudicado é o cidadão que necessita daquele serviço.

Há outras questões de igual ou maior complexidade que também precisam ser solucionadas, tais como sucessão trabalhista, sucessão comercial, responsabilidade tributária pelos débitos fiscais em aberto etc. Ou seja, existe muito a se discutir em situação como essa, ficando clara a complexidade do tema e as diversas nuances que acabam sendo discutidas no Poder Judiciário.

André Luiz Bonat Cordeirom é advogado, mestre em Direito Empresarial.
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