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 | John Macdougall/AFP
| Foto: John Macdougall/AFP

Para quem acompanhou a 23ª Conferência das Partes (COP 23) da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima – seja presencialmente, como eu, ou à distância –, um balanço pode ser feito: a COP nem bem terminou e já podemos dizer que demos mais passos para trás do que pra frente, pelo menos se tratando do Brasil. Tivemos uma Conferência processual, que entregou o que prometeu, mas nem de perto o que o mundo precisa. Era necessário maior ambição dos países (com metas arrojadas de redução de emissões de gases de efeito estufa) e mais dinheiro na mesa (para financiamento de ações de mitigação e adaptação dos países em desenvolvimento e com maior impacto pela mudança do clima).

A Conferência cumpre o papel de debater fortemente os eventos climáticos extremos que são cada vez mais frequentes e intensos em todo o planeta, e que têm impactado cada vez mais pessoas, principalmente os mais pobres. No entanto, mesmo tendo em mãos essas informações, as negociações internacionais de clima infelizmente não acompanham a intensificação do aquecimento global por razões antrópicas e das suas consequências, e a cada dia é menor a chance de alcançarmos o objetivo maior do Acordo de Paris, que é o de manter o aumento da temperatura média da Terra, até o final do século, bem abaixo dos 2°C, e continuar os esforços para limitá-lo a 1,5°C.

O Brasil está entre esses países que não estão conseguindo cumprir os objetivos.

O Brasil está entre esses países que não estão conseguindo cumprir os objetivos e, inclusive, foi um dos ganhadores do Fóssil do Dia de 15 de novembro, um “prêmio” dado pelas ONGs diariamente durante a Conferência aos países que mais atrapalharam as negociações de clima ou que adotaram medidas contra os princípios e objetivos da Convenção do Clima. O troféu foi ironicamente entregue no mesmo dia em que o Brasil se candidatou para ser sede da COP 25, a ser realizada em 2019. Ironicamente, pois existe uma contradição entre o discurso internacional e a prática doméstica brasileira. Para o mundo, somente nessa COP, o Brasil anunciou o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (PLANAVEG); prometeu uma nova política nacional de biocombustíveis, a RenovaBio; e abordou temas prioritários como a agropecuária sustentável, as energias renováveis e o combate ao desmatamento.

Internamente, a situação é mais crítica. Nosso Fóssil do Dia foi entregue por conta da Medida Provisória 795/2017, enviada pelo Presidente Michel Temer ao Congresso Nacional dando subsídios ao Petróleo no Brasil, estimados em um trilhão de reais, nos próximos 25 anos. Tanto o Legislativo quanto o Executivo têm tomado decisões que vão no sentido contrário aos objetivos do Acordo de Paris, como as ameaças às áreas protegidas, o enfraquecimento da legislação ambiental, os incentivos aos combustíveis fósseis, as altas taxas de desmatamento no Cerrado e na Amazônia, entre outras. O correto seria estarmos tomando o rumo para uma economia de baixo carbono, adotando medidas contrárias ao combustível fóssil, que é uma indústria do passado, e mostrar ações de incentivo à bioenergia, energia eólica e solar, restauração florestal, conservação dos biomas, agricultura de baixo carbono, transporte coletivo, carros elétricos e outras tantas.

Opinião da Gazeta: O erro climático de Trump é reforçado no G20 (editorial de 11 de julho de 2017)

Leia mais: Ignorar o Acordo de Paris é um mau negócio (artigo de Marina Grossi, publicado em 10 de junho de 2017)

Portanto, caso se concretize a realização da COP 25 no Brasil, esperamos que isso ajude a colocar de vez o clima e a efetividade do combate ao aquecimento global na agenda do desenvolvimento nacional e também na agenda das eleições 2018. Até porque, o próximo governo eleito terá, no seu primeiro ano, a realização do maior encontro mundial no tema de mudanças climáticas, que é um dos maiores desafios da humanidade nesse próximo século.

Precisamos aumentar o espaço de debate no país sobre os impactos da mudança climática e sobre as ações de mitigação e adaptação – este último, um tema que ganhou espaço nesta COP e que tende a crescer cada vez mais. O setor empresarial e a sociedade civil, por exemplo, se uniram em grandes discussões sobre a Adaptação baseada em Ecossistemas (AbE) como alternativa para melhor preparar as sociedades e os ecossistemas naturais às alterações do clima. Os debates envolveram a apresentação de iniciativas para contribuir com o cumprimento da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, sigla em inglês), que são as metas estabelecidas pelos Governos durante a COP 21 para o Acordo de Paris. No Brasil, o número de projetos com AbE ainda é embrionário, mas a estratégia tem um excelente potencial que, se somada a ações efetivas do Governo, só trará ganhos para o Brasil e, consequentemente, para o planeta.

É triste pensarmos que todas essas discussões ganham força por conta dos impactos sentidos cada vez em todo o mundo, que afetam as pessoas, comunidades, cidades, negócios e também a biodiversidade. O que queremos, afinal? Queremos finalmente que a sociedade se dê conta de que essa mesma biodiversidade pode ser uma das soluções para aumentar a resiliência aos impactos de eventos climáticos extremos.

André Ferretti é gerente na Fundação Grupo Boticário, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza e coordenador geral do Observatório do Clima.
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