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No Paquistão, o talibã entende, entre outras barbaridades, que mulheres não podem frequentar escolas.
No Paquistão, o talibã entende, entre outras barbaridades, que mulheres não podem frequentar escolas.| Foto: Pixabay

Chegamos a um ponto de polarização em que aparentemente perdemos uma capacidade duramente conquistada ao longo de milênios de civilização: a de colocar-se no lugar do outro, de ouvir suas razões e respeitá-las, mesmo não concordando totalmente ou em parte. De refletir, de ponderar, de tentar melhorar.

Desde que praticamente levamos os neandertais à extinção, desde que cada cidadezinha da idade média se armava e partia para a guerra com as outras pequenas localidades vizinhas, foi longo o caminho até diminuirmos o ódio de quem não tinha os mesmos costumes, a mesma cor de pele ou de olhos, mas parece que estamos velozmente voltando a estes velhos hábitos, e hoje não temos sequer a certeza de qual maneira é melhor protestar. Suavidade, para conquistar corações ou agressividade para converter mentes?

Basta olhar para duas formas diferentes de defender causas essenciais, absolutamente corretas e necessárias, que nos vem de dois mundos diferentes: Malala Yousafzai nasceu no nordeste do Paquistão, que era, e em parte continua sendo, reduto do movimento fundamentalista islâmico talibã que entende, entre outras barbaridades, que mulheres não podem frequentar escolas. Com doze anos, Malala começou sua militância pelos direitos das mulheres à educação, publicando um blog, veiculado pela BBC em que contava para o mundo o que ocorria em sua região; a repercussão foi imensa, chamando a atenção do New York Times, que publicou um documentário sobre ela e sua causa.

Em uma tarde de 2012, um militante talibã invadiu a van escolar em que ela viajava e deu-lhe três tiros. A menina ficou entre a vida e a morte, o mundo reagiu chocado, a ONU começou um movimento intitulado “Eu sou Malala” exigindo acesso à educação para todas as crianças do mundo, e em consequência o Paquistão ratificou sua primeira lei de direito à educação. Em 2013, Malala discursou na Assembleia da Juventude da ONU: “Vamos pegar nossos livros e canetas. Eles são nossas armas mais poderosas. Uma criança, um professor, uma caneta e um livro podem mudar o mundo. A educação é a única solução”.

O contraponto à suave Malala, originária de uma das regiões mais violentas e intolerantes do mundo, é a feroz Greta Thunberg nascida na civilizadíssima e compreensiva Suécia; Greta tem discursos incisivos, onde acusa adultos e países pela inatividade diante de um assunto premente para a humanidade, conter as mudanças climáticas que reconhecidamente poderão dificultar a vida no planeta, e não apenas para nós, mas também para todos os animais e mesmo vegetais. Divulga a pressa, a urgência de resolver um assunto que arrastamos porque sabemos ao quanto de conforto teremos que renunciar antes que a situação se torne insustentável para muitos.

Greta está certa no conteúdo, e possivelmente exagera na forma, o aquecimento global é um fato, ainda que negado pelos terraplanistas e outros delirantes, tão radicais quanto, e deve-se em parte às emissões de carbono de indústrias, automóveis, e outras fontes. Possivelmente seu desespero seja real, e sua forma de transmitir esta necessidade passe pela hostilidade contra os que parecem indiferentes; pois, embora não seja a única causa das mudanças climáticas, evidentemente há muito que podemos fazer para retardar a catástrofe, as medidas propostas pelo Acordo de Paris são um excelente começo. A jovem ativista ambiental debita parte de seu comportamento a questões de saúde, fator a exigir compreensão, porém talvez não seja producente despertar antipatia de suas plateias, acusando-as genericamente de crimes que, na maioria, não cometeram e não pretendem cometer, embora pareçam apáticas.

Assim, enquanto Malala se mostra compreensiva demais, suave demais, facilmente esquecida apesar da trajetória chocante, e a educação ainda aguarde mais espaço nas agendas políticas mundiais, Greta agride, choca e arranja inimigos entre pessoas que procura esclarecer para aderirem a uma causa justa e necessária, contribuindo para que parte considerável das pessoas não suporte ouvir falar em problemas climáticos.

Malala é mais palatável, Greta é bem menos, mas na realidade parecemos imunes a qualquer boa intenção, dita com gentileza ou violência.

Wanda Camargo é educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil (UniBrasil).

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