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| Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

O artigo 102 da Constituição Federal (CF) diz que compete ao Supremo Tribunal Federal a guarda da constituição. Mas quem guardará os guardiões: Quis custodiet ipsos custodes?

É a frase antiga que ainda reverbera nos dias atuais. Sobretudo, esta semana em que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Lava Toga teve o parecer enviado ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). De acordo com a Consultoria Legislativa do Senado, não é possível a abertura de uma CPI para investigar fatos relacionados à atividade jurisdicional do Supremo Tribunal Federal (STF) ou o mérito de decisões judiciais. Neste caso, quem vigia os vigilantes?

Para adequada compreensão do que se trata a CPI da Lava Toga, vale um breve resumo do requerimento que contém o pedido de investigação de treze fatos. 

Cinco itens envolvem diretamente o ministro Gilmar Mendes que: 1) mantinha relações comerciais, por meio de uma sociedade empresarial, com instituição financeira envolvida em processos sob jurisdição do tribunal em que atua, sem se declarar suspeito ou impedido; 2) não se declarou impedido para julgar ação cujo escritório de advocacia de uma das partes mantinha, em seu quadro societário, a esposa do ministro; 3) proferiu decisão em habeas corpus cujo paciente mantinha relação pessoal, sem se declarar suspeito; 4) proferiu sentenças que violaram a jurisprudência do próprio STF no caso envolvendo Paulo Preto (apontado como operador financeiro do PSDB pela polícia Federal); 5) uso abusivo do pedido de vista de processo que discutia o financiamento empresarial de campanhas eleitorais em abril de 2014, devolvendo o processo em setembro de 2015, após as eleições.

Seria licito uma CPI do Senado investigar ato que pudesse ser configurado como crime de responsabilidade

Dois dos itens envolve o ministro Dias Toffoli, atual presidente do STF, que: 1) proferiu, às 03:45 da manhã, decisão interferindo em matéria interna corporis do Senado Federal, para que a eleição de seu presidente fosse por voto fechado; 2) atuação como julgador do ministro Dias Toffoli em processos em que uma das partes era sua credora, sem que se tenha declarado suspeito. Em 2 de setembro de 2011, foi contratada pelo Ministro Dias Toffoli operação de crédito junto ao Banco Mercantil do Brasil S/A, no valor histórico de R$ 931.196,51, garantida por imóvel de sua propriedade, por meio da qual se comprometeu a pagar parcela mensal correspondente a 47,20% dos subsídios de ministro do STF vigentes à época, aos juros de 1,35% ao mês (a menor taxa para empréstimos pessoais em 2011 foi de 5,16% a.m, segundo o Procon-SP). 

Os demais itens envolvem fatos como da reversão de decisões em tempo recorde, atuação de ministros do Superior Tribunal de Justiça em processos em que filhos figurariam como parte. Acusação de recebimento de suborno pelo ex-ministro do STJ Asfor Rocha para criar obstáculos ao andamento da “Operação Castelo de Areia”. E a liminar que concedida por Luiz Fux para estender o auxílio-moradia a toda a magistratura e depois reformado a liminar após acordo para reajustar o subsídio dos magistrados em clara negociação.

Dito isto, fica mais fácil a leitura do conteúdo do parecer da consultoria do Senado que diz: “As comissões parlamentares de inquérito terão poderes de investigação típicos das autoridades judiciais e sua criação dependerá do atendimento dos seguintes requisitos constitucionais: fato determinado, prazo certo e requerimento de um terço dos membros da Câmara ou do Senado, ou de ambas as Casas no caso de CPI mista (CF, art. 58, § 3o; STF – MS 24.831)”. No entanto, tecnicamente a Consultoria Legislativa do Senado entendeu que atividade jurisdicional estaria fora do alcance das CPIs devido ao fato de não ser abarcada pelo art. 146, II do Regimento Interno do Senado Federal que prevê que não serão admitidas CPIs sobre matérias pertinentes as atribuições do Poder Judiciário uma vez que devem ser delimitadas pelo princípio da separação dos poderes. 

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O texto do parecer se fundamenta na doutrina e na jurisprudência do próprio STF (leia-se o potencial investigado) para afirmar que o princípio da separação dos poderes representa obstáculo constitucional ao exercício do poder de investigação parlamentar para exame de atos ou atividades de índole jurisdicional. Por outro lado, o parecer registra que isso não impede que possa haver investigação parlamentar sobre atos administrativos praticados por magistrados. Em tese, seria licito uma CPI do Senado investigar ato que pudesse ser configurado como crime de responsabilidade e infrações político-administrativas eventualmente praticadas por juízes do STF.

Basicamente a Lei 1.079/1950 diz que são crimes de responsabilidade os atos que atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos estados; o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; a segurança interna do país; a probidade na administração.

Ora, lendo os fatos descritos no requerimento (corrupção, improbidade, entre outros) e a lei que define os crimes de responsabilidade qualquer um diria que o parecer da Consultoria do Senado foi infeliz ao afastar a possibilidade de investigação pelo Senado Federal. Afinal de contas: se o Congresso Nacional não pode investigar os fatos narrados no pedido, quis custodiet ipsos custodes?

João Pedro Paro , advogado, cientista social e pesquisador do Instituto de Relações Internacionais da USP, é pós-graduado em Compliance e Direito Penal Econômico Europeu pela Universidade de Coimbra e mestre em Direito do Estado pela USP.
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