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| Foto: Pexels

Muito tem se falado sobre a relação do Projeto de Lei 7.596/2017 e o enfraquecimento do combate à corrupção. Entretanto, apesar da inegável gravidade dos crimes contra o patrimônio público, é também importante a informação à sociedade sobre os efeitos nefastos de tal projeto na tentativa de garantia e proteção a vários outros direitos.

A partir da definição bastante aberta e subjetiva dada pelo artigo 1.º, parágrafo 1.º do texto, “prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal”, o artigo 30 da redação do projeto determina que quem der “início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente” poderá receber pena de um a quatro anos de detenção e multa.

Mulheres e crianças são vítimas de crimes que, em sua maioria, ocorrem em suas próprias casas, praticados por membros de suas próprias famílias; assim, muitos procedimentos são iniciados por denúncias dos serviços disque-100 ou 180, não raramente anônimas. Pela subjetividade (e abertura) da nova redação do artigo 30, essa seria uma justa causa fundamentada para início de investigação, ou o investigado se sente no direito de imediatamente processar a pessoa do investigador?

Apoiar a integralidade dos artigos da lei de abuso de autoridade é desproteger vítimas de abuso e violência doméstica

Além disso, em crimes como esses, forte é o valor dado à palavra da vítima, a qual pode ser o elemento decisivo para que o Ministério Público ofereça denúncia. Se após o processo o réu for inocentado por falta de outras provas, pela subjetividade (e abertura) do novo tipo penal, poderá ser a pessoa do promotor de Justiça acusada e, mais uma vez, ser pedida sua condenação por um a quatro anos de detenção?

É evidente que, mesmo que a nova lei seja sancionada, agentes públicos encarregados de investigar violações de direitos de pessoas vulneráveis continuarão comprometidos com sua função e cumprindo seu dever. Mas também é certo que, paulatinamente, sentirão insegurança e imensa dificuldade de realizar suas atividades com a velocidade que casos graves de violência extrema demandam, na medida em que se ampliam hipóteses de ameaça de retaliação por parte dos que se sentem prejudicados de alguma forma.

Quem defende a aprovação do projeto de lei afirma que “juízes, promotores e policiais não devem ser protegidos”. E quem protegerá crianças que sofrem estupro em suas casas, ou mulheres em ciclos de violência que, quando não impedidos por uma rápida investigação, se transformam em feminicídio?

Assim como o artigo 30, outros dispositivos da nova lei inviabilizam o (bom) trabalho de agentes investigadores e devem ser vetados sob pena de restarem ainda mais impunes condutas que já apresentam números alarmantes no Brasil, que é o quinto país que mais mata mulheres no mundo e amarga um primeiro lugar em violência contra a criança na América Latina, segundo dados do Mapa da Violência de 2015 e da Pesquisa da Visão Mundial de 2018, respectivamente.

Apoiar a integralidade dos artigos contidos no PL 7.596/2017 é desproteger a população, que poderá contar com maior inércia e obstáculos no serviço oferecido pelos integrantes do sistema de Justiça. Os mais afetados devem estar informados em detalhes acerca desse imenso prejuízo, antes que seja tarde demais para se evitar que a nova lei entre em vigor.

Mariana Seifert Bazzo é promotora de Justiça da 2.ª Promotoria da Criança e do Adolescente de Curitiba e autora do livro Crimes contra mulheres.

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