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Eu era membro da coalizão de oposição que participou das negociações com o governo de Nicolás Maduro entre 2017 e 2018. Durante mais de um ano, tentamos selar um acordo que pusesse um fim ao caos que se agravava na Venezuela, mas o fato é que não há solução viável enquanto o país permanecer atrelado a Cuba.

O ministro das Comunicações e representante da administração, Jorge Rodríguez, reiterou o desejo da Venezuela de receber o mesmo tratamento que Cuba. Essa declaração deixou bem clara a pretensão do regime: uma ditadura que é aceita e acaba fazendo as coisas à sua maneira, como a que Raúl Castro herdou do irmão e transmitiu a Miguel Díaz-Canel.

Mas Cuba é muito mais que inspiração e modelo para o governo chavista; na verdade, a ilha “sequestrou” a Venezuela e a mantém refém. Decisões governamentais importantes estão sendo tomadas em Havana, não em Caracas. Os tentáculos do regime de Castro se estendem sobre diversas instituições venezuelanas, incluindo as Forças Armadas, as agências de imigração e os serviços de saúde.

Em discurso na sede da ONU, em outubro passado, o secretário-geral da OEA, Luis Almagro, disse que há pelo menos 22 mil cubanos infiltrados no governo venezuelano e em suas instituições. E, além disso, mantêm posições importantes em vários órgãos, como também na segurança nacional e no serviço de inteligência.

Decisões governamentais importantes estão sendo tomadas em Havana, não em Caracas

Há alguns anos, o regime de Maduro partiu para consolidar o poder e desmantelar as instituições democráticas. Nas eleições parlamentares de 2015, os partidos de oposição conquistaram a maioria das cadeiras da Assembleia Nacional, mas Maduro esvaziou seus poderes. No ano seguinte, o regime adiou – ilegalmente – as eleições regionais e descartou o referendo revogatório que destituiria o presidente. Em 2017, fomos às ruas para protestar contra as sentenças ilegítimas impostas pelo Supremo Tribunal de Justiça contra a Assembleia Nacional, e optamos por não participar das eleições regionais manipuladas.

As demonstrações civis contra a ditadura de Maduro naquele ano deixaram pelo menos 120 mortos, milhares de feridos e centenas de presos. De acordo com o Foro Penal, organização venezuelana pelos direitos humanos bastante respeitada, há 911 presos políticos na Venezuela. Nos últimos doze meses, sete tentativas de restabelecimento da Constituição e de nossa soberania, em parte controlada pela liderança cubana, foram abortadas. Mais de cem oficiais militares foram detidos.

Nas negociações com o regime de Maduro, conduzidas pela República Dominicana, nossa intenção era chegar a um acordo em relação às eleições presidenciais com garantias democráticas, mas seus representantes recusaram um processo eleitoral que refletisse o desejo do povo venezuelano. Recusamo-nos então a assinar a resolução, e o processo foi dissolvido em janeiro de 2018. Há anos a oposição tenta negociar com o regime para encontrar uma solução democrática para o caos atual.

Em vez disso, Maduro forçou a realização de uma eleição presidencial farsesca em vinte de maio de 2018, que não foi reconhecida pelos venezuelanos, nem por muitas democracias ao redor do mundo. Na verdade, a abordagem do presidente repete o modelo cubano, no qual um único partido governa e o pleito não é competitivo.

Leia também: Poder suave: a influência de Cuba sobre o regime venezuelano (artigo de Jorge C. Carrasco, publicado em 24 de fevereiro de 2019)

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A relação intrínseca entre a ditadura de Castro e o regime chavista começou 25 anos atrás, quando Hugo Chávez visitou Havana, logo depois de ser libertado. Quando o Muro de Berlim caiu, em 1989, dando início ao colapso da União Soviética, a Cuba de Fidel Castro perdeu seu grande benfeitor econômico; a ascensão de Chávez ao poder, uma década depois, permitiu ao cubano estabelecer um substituto. A relação entre os dois países se aprofundou entre 2004 e 2014, quando a Venezuela faturou alto com o petróleo.

A relação provou ser lucrativa para o governo cubano: entre 40 e 50 mil barris de petróleo venezuelano são enviados para a ilha diariamente, apesar de a produção do país ter caído mais de 60% nos últimos anos. O subsídio econômico venezuelano atingiu o ápice a aproximadamente doze por cento do PIB cubano.

Durante os anos de vacas gordas, cerca de 90 mil barris de petróleo por dia, representando US$ 9 bilhões atuais, eram enviados a Cuba. Há quem calcule que, ao longo de mais ou menos 15 anos, a Venezuela subsidiou US$ 35 bilhões em petróleo para aquele país.

Nós nos afundamos ainda mais nas dívidas quando Maduro comprou US$ 440 milhões de petróleo estrangeiro para enviar à ilha entre 2017 e 2018 – ou seja, o problema não é uma possível invasão de uma potência estrangeira; há mais de dez anos Cuba age feito parasita, sugando nossos recursos.

Só que, ao contrário dela, não somos uma ilha. Temos fronteiras terrestres e nossa tragédia se espalhou pela região, complicando ainda mais a vida das nações vizinhas. Para estabilizar a região e restaurar a democracia, é vital cortarmos o vínculo autoritário enraizado em Cuba e na Venezuela. A democracia não pode ser restaurada enquanto os dois governos não se desligarem.

Há anos a oposição tenta negociar com o regime para encontrar uma solução democrática para o caos atual

Maduro já provou que não deixará o poder por vontade própria. Quem se opõe ao seu governo não está armado, nem tem a intenção de depô-lo mediante a violência. Oferecemos anistia, mas ela foi rejeitada; entretanto, nunca aceitaremos a normalização dessa ditadura. Enquanto Maduro permanecer no poder, haverá mais mortes, mais prisioneiros, mais perseguição e mais compatriotas forçados a migrar. A comunidade internacional esgotou seu arsenal diplomático porque não há precedente na América Latina para situação semelhante à da Venezuela. Quando ocorrer, a saída de Maduro será equivalente à queda do Muro de Berlim para a região.

É um erro pedir àqueles que querem a democracia na Venezuela que se distanciem de seus aliados norte-americanos e latino-americanos a esta altura. Eles representam a única oportunidade de contrabalançar um regime de poderes ilimitados e nenhuma supervisão institucional, que está armado e mais que disposto a praticar a violência. Os países democráticos também têm de pressionar Havana diretamente se quiserem que sejam feitas mudanças na Venezuela.

Leia também: O renascimento democrático da Venezuela (artigo de Elton Duarte Batalha, publicado em 24 de janeiro de 2019)

Leia também: Venezuela rumo à guerra civil (artigo de Dimitri Martins, publicado em 10 de março de 2019)

O apelo da Assembleia Nacional e do presidente interino, Juan Guaidó, para que a Venezuela pare de enviar petróleo a Cuba é um primeiro passo. E as empresas que comercializam a matéria-prima devem acatá-lo se quiserem evitar sanções secundárias, derivadas daquelas já impostas à nossa empresa estatal de gás e petróleo, a PDVSA, pelos EUA. No que lhe diz respeito, o Grupo de Lima deve garantir que as investigações previamente acordadas sobre corrupção e violações de direitos humanos sejam realizadas, o que pode envolver cidadãos de seus países, além de venezuelanos e cubanos.

Por fim, a esquerda internacional tem de entender que os venezuelanos não são vítimas de uma única ditadura, mas de duas, a de Maduro e a de Cuba. E retirar sua solidariedade e apoio a Nicolás Maduro.

Julio Borges foi presidente da Assembleia Nacional da Venezuela e é o embaixador de Juan Guaidó para o Grupo Lima. Este artigo foi traduzido do espanhol por Erin Goodman.
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