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Davi Alcolumbre
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre| Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Davi Alcolumbre, presidente do Senado, encontrou-se na segunda-feira com o presidente da República, Jair Bolsonaro. Queira pessoalmente demonstrar sua insatisfação em relação ao ministro Augusto Heleno, que dissera, em tom de desabafo, que o Executivo é vítima de chantagem de parlamentares.

O senador queria pessoalmente externar o seu descontentamento. Disse que esse tipo de atitude não seria tolerado e que o Congresso não aceitaria “ataques à democracia”. Para Alcolumbre, “não se defende democracia, assuntos da nação, pelas redes sociais”.

Será que realmente a nossa democracia está sob ataque?

Uma das facetas pouco conhecidas do politicamente correto é destituir as palavras de seu sentido denotativo. Esvaziada de seu sentido real, a palavra torna-se um tipo de coringa que se encaixa em qualquer discurso. Uma vez destituída de seu sentido próprio, literal e objetivo, a palavra passa a ser empregada pelo efeito emocional que pretende despertar no ouvinte. A palavra “democracia” é o melhor exemplo.

Quando Alcolumbre afirma que o Congresso não tolerará ataques à democracia, não diz nada que tenha referência à realidade concreta e palpável, pois em momento algum o ministro Heleno sugeriu algo como o fechamento do Congresso (isso, sim, seria um atentado à democracia, literalmente). Alcolumbre estava apenas a externar, com ares de indignação fingida, o seu desconcerto diante da “saia justa” em que o ministro Heleno lhe colocou quando revelou ao público um segredo de polichinelo.

Com efeito, que o Congresso seja um balcão de negócios, ninguém ignorava. Não foi outro a não ser o impoluto Lula da Silva que, em setembro de 1993, afirmou: “Há uma maioria de 300 picaretas que defendem apenas seus próprios interesses”. Lula, já nos idos de 1993, não estava contando nada que todos não soubessem.

Em verdade, o ministro Heleno anunciava à nação a boa nova: o fim do “governo de coalizão”, um nome pomposo para a antiga prática do toma-lá-dá-cá da politica nacional, desde as origens da República. Anunciava à pátria que o jogo das velhas raposas tinha acabado.

A fala do ministro também é reveladora, porque indica que os velhos hábitos do passado insistem em sobreviver. Não será por outro motivo que o governo Bolsonaro tem sido sistematicamente sabotado pelo Congresso Nacional, que opõe todo tipo de embaraços e empecilhos aos projetos que, desde a campanha, fizeram parte das promessas do presidente. Não é difícil deduzir que, nos bastidores, o jogo político trabalhe insistentemente para que o governo ceda às investidas de parlamentares ávidos pelo regresso do “governo de coalizão”, reinaugurando os antigos expedientes que, desde há muito, fizeram do Congresso um mercado.

Mas o senador Alcolumbre acredita que “não se defende democracia, assuntos da nação, pelas redes sociais”, com o que não apenas confunde democracia com segredo de Estado, mas também sugere que democracia não tem nada a ver com transparência.

Parece-me que o senador está mais preocupado com a sua imagem do que com o prestígio do parlamento. Se assim não fosse, saberia compreender que o ministro Heleno não ataca o Congresso quando expõe ao público que o governo é vítima de parlamentares chantagistas. Ao contrário, o ministro Heleno dá ao senador Alcolumbre a ocasião ímpar de adotar as medidas profiláticas que lhe permitiriam separar o joio do trigo, assim resguardando o parlamento, de cuja reputação se julga um zeloso tutor.

Não, senador, não são os ministros do governo que atentam contra a democracia. Atenta contra a democracia quem engaveta impeachments contra ministros do Supremo Tribunal Federal. Atenta contra a democracia quem assiste impassivo ao STF usurpar as funções do Poder Legislativo para criar crimes e direitos ao seu alvedrio. Atenta contra a democracia quem assiste silente ao mesmo Supremo imiscuindo-se a todo momento nas questões interna corporis do Legislativo e do Executivo. Atenta contra a democracia quem permite que o STF chancele a insistente prática do Judiciário de intrometer-se no Poder Executivo para interferir na gestão de políticas públicas, a torto e a direito.

De fato, senador Alcolumbre, a nossa democracia está sob ataque. Mas por outros motivos...

Márcio Luís Chila Freyesleben é presidente do MP Pró-Sociedade.

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