• Carregando...
 | Nelson Almeida/AFP
| Foto: Nelson Almeida/AFP

O filósofo francês Jean-Paul Sartre, certa feita, disse: “não importa o que fizeram comigo, mas o que eu vou fazer com o que fizeram comigo”. Muitas vezes somos vítimas, sentimo-nos vítimas ou simplesmente desejamos fazer o papel de vítima. Conclamamos os amigos, familiares ou seguidores para fazer coro contra o “inimigo” real ou imaginário. Sugamos o amigo; colocamo-lo em teste. Para aumentar o poder de persuasão, pintamos o quadro com tintas de Van Gogh. Voluntária ou involuntariamente, nosso objetivo passa a ser o de transformar o “algoz” particular em “algoz coletivo”. Tal comportamento é comum e ocorre nas relações pessoais, matrimoniais e no cenário político.

Pois bem, Lula – em processo judicial onde se respeitou o direito à ampla defesa – foi condenado pela prática de supostos atos criminosos. Recorreu à instância superior e recebeu novo julgamento desfavorável. Sua equipe jurídica tem o direito de explorar todos os recursos legalmente existentes visando à absolvição. A existência de uma escala e escada judicial serve para aumentar a análise e revisão das decisões, pois todos somos falíveis, inclusive os juízes. No Estado Democrático de Direito, baseado na divisão independente e harmônica dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, cabe ao primeiro criar as leis, ao segundo executá-las e ao terceiro interpretá-las, quando provocado.

Lula logo passará, mas o Brasil ficará. Mas como ficará?

E assim aconteceu com o ex-presidente, como, aliás, acontece com milhares de pessoas diariamente. Ora, houve uma suspeita que gerou investigação, seguida de denúncia e ação penal, cuja conclusão (até agora) foi pela condenação. O descontentamento é natural e esperado; afinal, ninguém gosta de ser condenado, seja no âmbito cível, seja (principalmente) na esfera criminal. Advogados são contratados para, observadas as regras do jogo, defender os interesses de seus clientes. A imprensa livre tem a função de divulgar os fatos e à sociedade é preservado o direito de manifestar-se – desde que no tempo, local e maneira apropriados – contra ou a favor das decisões que julga equivocada ou correta.

Lula construiu um caminho pouco visto na história do Brasil. Apesar de ser um político desigual, é um cidadão igual, sob o império da lei, e deve respeitar o epílogo de seu destino a ser escrito pelo Judiciário brasileiro. Curiosamente, o que se vê hoje são dois extremos: de um lado, uma desnecessária e provocativa expectativa festiva daqueles que preconizam e torcem pela prisão do ex-presidente ou sua inelegibilidade no pleito presidencial de outubro. De outro, líderes partidários não hesitam em conclamar a militância e fiel eleitorado para, lamentável e perigosamente, empunhar a bandeira da desobediência civil.

Leia também: A defesa de Lula e a aposta na confusão (editorial de 2 de fevereiro de 2018)

Leia também: Lula, prisão e chantagem (editorial de 28 de janeiro de 2018)

E aqui cabe parafrasear Sartre: “Já não importa o que fizeram com o Brasil, mas o que faremos com o que fizeram com o Brasil”. No momento atual, é do Judiciário o poder/dever de decidir o destino político e pessoal de Lula. A sua sorte não é tarefa dos estúdios de televisão, megafones em palanques, ruas ou estradas interditadas. Assim como todos nós, Lula logo passará, mas o Brasil ficará. Mas como ficará? Há muitas questões que merecem atenção urgente, como saúde, educação, investimentos, recuperação do emprego e a questão da Previdência. É preciso sempre fortalecer as instituições e pensar no médio e longo prazo para que se aumente o poder de competição e riqueza do país. Chega de alimentar o tal “nós contra eles” ou anunciar a chegada de um “salvador da pátria”, seja de esquerda ou de direita, em outubro, como se o país precisasse de um mártir. O mundo não está esperando o Brasil amarrar o tênis para começar a corrida. Ela já começou – e faz tempo.

Mauricio Gomm Santos é advogado.
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]