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A maioria dos regimes mundo afora gosta de se autointitular democrática. Mas o apoio a democracias reais está caindo. Os índices de aprovação da maioria dos governos, na maioria dos países, estão afundando dramaticamente. A confiança entre o povo e seu governo está sendo questionada em quase todo lugar.

Os eleitores suspeitam que as elites servem apenas a si próprias. Eles questionam a ligação entre as escolhas políticas e os interesses do cidadão comum. Há algum meio de restaurar essa conexão e, ao mesmo tempo, preservar os muitos elementos positivos de nossas democracias atuais, com direitos individuais, respeito às leis, liberdade de expressão e, o mais importante, a capacidade de mudar o governo com base na vontade popular?

A competição entre partidos se destina a vencer as eleições, e não a informar os eleitores

Em muitos locais há experiências sérias de complementação a nossas práticas democráticas que dariam voz ao desejo popular de uma maneira representativa e que leve as pessoas em consideração. A ideia é descobrir o que elas pensam sobre algumas políticas-chave quando elas têm a melhor informação e se envolvem em um debate profundo sobre esses temas. Os cidadãos sabem que porta-vozes e especialistas em relações públicas estão sempre tentando manipular a opinião pública. As pessoas sabem que, individualmente, seu voto, ou sua opinião, tem pouca relevância. Afinal, trata-se de apenas um voto em milhões; por que elas deveriam prestar mais atenção às complexidades da política pública – mesmo que isso seja fundamental e tenha impacto em suas vidas? Aquele voto, ou opinião individual, ficará perdido na multidão. Os cientistas sociais têm um nome para isso: “ignorância racional”. É racional não buscar informação, já que todos temos outras coisas com que nos preocupar em áreas nas quais nossas ações podem ter mais efeito.

Mesmo assim, se governos democráticos seguirem a opinião dos desinformados, ou se prestarem atenção às massas mobilizadas que não consideraram os argumentos contrários e os possíveis pontos de conciliação, nossas políticas serão enfraquecidas e provavelmente baseadas em falsas promessas ou alegações incorretas. A competição entre partidos se destina a vencer as eleições, e não a informar os eleitores, assim como a publicidade se destina a vender produtos, e não a informar consumidores.

A versão prática da democracia deliberativa é uma ideia bem simples. Remonta à antiga Atenas, onde microcosmos aleatoriamente escolhidos entre o público tomavam decisões importantes. Por exemplo, o Conselho dos 500 era escolhido por uma máquina seletora chamada Kleroterion, e ele definia a agenda do que poderia ser votado na Assembleia. Em tempos modernos, o que eu chamo de “sondagem deliberativa”, com recrutamento aleatório a partir de uma amostra, se encontra para analisar os prós e contras de políticas públicas e as discute com profundidade por um ou dois dias, debatendo em pequenos grupos e levando perguntas a grupos de especialistas com visões opostas. A opinião dos integrantes do grupo é anotada num primeiro contato e, depois, ao fim do processo. Normalmente as opiniões mudam – em mais de 2/3 dos casos, mudam significativamente.

Esse processo já foi usado em 23 países, mais de 70 vezes. Teve efeitos reais sobre decisões políticas, incluindo energia eólica no Texas, melhores escolhas de orçamento e infraestrutura em cidades chinesas, melhor entendimento das razões para dessegregar escolas entre os ciganos na Bulgária, aconselhamento de eleitores antes de referendos na Austrália e na Dinamarca, e envolvimento popular em políticas de saúde e saneamento em Gana. Também já foi usado no Brasil (em Porto Alegre), sobre reforma do funcionalismo público, e na Argentina (em La Plata), sobre políticas de transporte.

Em todos esses locais a avaliação final das pessoas mostrou aos formuladores de políticas públicas o que o povo realmente deseja quando discute os assuntos com profundidade e tem suas dúvidas respondidas. Quando você participa de uma “sondagem deliberativa”, você supera a ignorância racional. Em vez de apenas uma voz em milhões, você é uma voz numa amostra científica de 300 deliberadores, e uma voz em grupos de discussão menores, de cerca de 15 pessoas. Você sabe e compreende que sua voz importa. E, quando as pessoas descobrem que sua voz importa, elas fazem o trabalho duro em relação às escolhas difíceis da comunidade. Essa é uma voz pública que vale a pena ouvir.

James Fishkin, autor de “Quando o povo fala”, é professor de Comunicação e Ciência Política na Universidade de Stanford, onde também é diretor do Centro de Democracia Deliberativa. Ele será um dos palestrantes da Semana da Democracia, evento que ocorrerá em Curitiba no dia 23 de novembro. Tradução: Marcio Antonio Campos.
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