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Os EUA tiveram uma guerra civil que custou cerca de 600 mil vidas. A Alemanha foi derrotada duas vezes no período de 27 anos e a França foi ocupada pelos alemães. Outros países tiveram grandes traumas por terremotos e maremotos. Nossos traumas foram derrotas no futebol: para o Uruguai, em 16 de julho de 1950, e para a Alemanha, em 8 de julho de 2014. Sofremos por causa dos 7 a 1 no futebol, mas esquecemos dos 103 a zero para a Alemanha em prêmios Nobel.

A realidade social não nos traumatiza porque nossos grandes problemas foram banalizados.

Consideramos tragédia ter o quarto melhor time de futebol do mundo, mas não nos traumatiza quando, no dia 1.º de março de 2011, a Unesco divulgou que estávamos em 88.º lugar em educação; nem quando, em 15 de março de 2013, o Pnud divulgou que estávamos em 85.º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano; ou quando o Banco Mundial nos coloca como o oitavo pior país em concentração de renda; ou ainda quando soubemos que somos o 54.º país em competitividade no mercado mundial; ou quando o IBGE divulgou, em 27 de setembro de 2013, o aumento no número de adultos analfabetos entre 2011 e 2012.

Nenhum trauma aconteceu quando a Transparência Internacional nos reprovou em corrupção; ou quando vimos que, no ano passado, 54 mil brasileiros foram assassinados no país e outros 50 mil foram mortos no trânsito. Não nos traumatiza o fato de que 50 milhões de brasileiros – desalojados históricos pelo modelo econômico – passariam fome se não fossem as pequenas transferências de renda, como se eles fossem abrigados depois de uma inundação. Não nos choca a destruição de 9% a mais de florestas em 2013 em relação a 2012.

Sofremos com as derrotas no futebol porque elas não foram banalizadas, são exceções na nossa trajetória de vitórias. Não nos traumatizam os desastres sociais porque nos acostumamos a eles e nos acomodamos. Por isso, não exigimos de nossos líderes políticos o mesmo que exigimos dos jogadores e técnicos.

Ao ouvir David Luiz pedir desculpas porque não foi "capaz de fazer seu povo feliz, pelo menos no futebol", pensei que deveria pedir desculpas a ele, porque sou parte da seleção brasileira de líderes políticos e não consigo fazer o necessário para facilitar a vida de cada brasileiro em busca de sua felicidade.

O político não proporciona felicidade, como um artilheiro que faz gols, mas deve eliminar os entulhos sociais, tais como transporte público ineficiente, fila nos hospitais, escolas sem qualidade e violência descontrolada, que dificultam o caminho de cada pessoa em busca de sua felicidade pessoal. Esses entulhos sociais que povoam o Brasil provam que nós, os políticos brasileiros, não estamos ganhando a Copa do Bem-Estar, base necessária, embora não suficiente, para a felicidade de cada pessoa.

Por isso, eu e todos os políticos com mandatos, e não David Luiz, devemos pedir desculpas por não eliminarmos os entulhos que dificultam a busca da felicidade por cada brasileiro.

Cristovam Buarque, professor da UnB, é senador pelo PDT-DF.

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