Dentre as mazelas da classe política brasileira está uma enorme dificuldade de implementar políticas públicas de longo prazo. Isso vale para diversas áreas, mas a situação da educação e do meio ambiente no país retratam uma gestão pública especialmente desastrada e incompetente e que, por décadas, tem sido incapaz de melhorar seus indicadores.
Os recentes resultados divulgados pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), da OCDE, deixaram claro que patinamos em termos educacionais. Nossos alunos estão entre os piores do mundo quando se analisa a aprendizagem da matemática, ocupando a 65.ª posição em um ranking que avalia 70 países. Nossa pátria nada tem de “educadora”. Outros índices como o analfabetismo funcional também são muito graves.
Da mesma forma, os dados recentes demonstram que a devastação ambiental vem piorando ano após ano. O desmatamento da Amazônia, por exemplo, atingiu 7.989 km² entre agosto de 2015 e julho de 2016. A estimativa é do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Isso representa um aumento na degradação de 29% em relação ao ano anterior. O período coincide justamente com a entrada em vigor do novo Código Florestal – que poderia muito bem ser rebatizado de novo “Código Rural”, tamanha a influência da bancada ruralista no sentido de “flexibilizar” a destruição da natureza para que os integrantes desse setor aumentem seus lucros.
Os dois fatos – deseducação e desmatamento – têm semelhanças na origem e nas consequências. Além de serem, do ponto de vista econômico, péssimos legados, eles decorrem fundamentalmente da má gestão pública. Também estão relacionados ao desinteresse da classe política no pensar e agir no longo prazo, já que apenas retornos imediatos, sejam eles eleitoreiros ou de cunho patrimonialista, parecem ser priorizados.
Sejamos francos: investir em educação ou conservação não gera votos. Pelo menos, não tanto quanto gastar dinheiro em campanhas publicitárias ou asfaltar ruas. Esse comportamento da classe política – infelizmente chancelado pela maioria dos eleitores – denota algo muito grave: embora vivamos numa democracia, nosso sistema político está nos condenando ao subdesenvolvimento e precisa urgentemente de reformas estruturais.
Sejamos francos: investir em educação ou conservação não gera votos
Em menos de um mês, dois casos do atual governo federal que vieram a público comprovam o que aqui se relata. No primeiro, o ex-ministro Geddel Vieira Lima tenta subverter outro ministro para que vá contra o interesse da população, aprovando um empreendimento imobiliário erroneamente posicionado em um setor histórico de Salvador. No segundo caso, outro ministro, Eliseu Padilha, juntamente com seus sócios, teve centenas de cabeças de gado confiscadas porque pastavam sobre uma área que ele devastou, dentro de um parque estadual no Mato Grosso.
Tratar o Estado como coisa sua é um traço marcante na classe política brasileira, desde os primórdios. Esse comportamento, de certa forma, ainda reflete o espírito aventureiro que norteou a vinda dos primeiros colonizadores a essas terras. O explorador da Idade Média era um predador, extrativista e usufrutuário. Nossa famigerada e secular impunidade fez com que os burocratas tupiniquins permanecessem desprovidos de freios éticos. Do ponto de vista moral, temos uma classe política de comportamentos medievais: fidalgos de ternos, cuidando de suas capitanias hereditárias. O burocrata brasileiro do século 21 continua um predador e, assim como seus antecessores, ainda pensa prioritariamente no proveito próprio sem preocupações com as gerações futuras.
Esses senhores e senhoras de foro privilegiado tomam posse de seus mandatos como se tomassem posse do Estado e, a partir daí, extraem o máximo possível para si e para os seus. Isso só é possível em tempos nos quais reinam a impunidade e a leniência no Judiciário. O comportamento patrimonialista, além de imoral, ilegal e aético, é absolutamente egoísta. O naturalista Richard Dawkins atribuiu a culpa por esse traço do ser humano aos nossos “genes egoístas”. Segundo ele, a educação e a cultura têm se mostrado, ao longo do tempo, como as únicas saídas para um possível salto civilizatório.
Países que hoje apresentam um alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e bons alunos souberam lidar com planejamentos de longo prazo. Para tanto, seus políticos e cidadãos têm comportamentos altruístas. Sim. Seus sistemas políticos são diferentes dos nossos, mas, além disso, nessas nações, o Judiciário é eficiente e a população cobra e fiscaliza seus governantes com mais facilidade. Nesses países, a leniência (que aqui é sinônimo de impunidade) é mínima e há maior transparência e acesso às informações sobre gastos e serviços públicos. Além disso, em nações assim já se compreendeu há muito tempo o que disse o procurador Deltan Dallagnol quando afirmou que “todo o corrupto é um genocida”.
Tráfico de influência, patrimonialismo e clientelismo também são formas de corrupção, mas nem sempre são fáceis de identificar. A bancada ruralista, por exemplo, quer a cabeça do atual ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, porque deseja a todo custo rediscutir o licenciamento ambiental para facilitar ainda mais as regras de exploração do solo. Os lobbies da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e da Confederação Nacional da Indústria (CNI), juntamente com o ministro Padilha, pressionam para que a tal “flexibilização” seja votada em breve. Esse mesmo ministro, aliás, figura enrolado em crimes ambientais e em denúncias sobre grilagem de terras no Rio Grande do Sul.
Corroborando com seus colegas da corte brasiliense, o ministro da Agricultura e um dos maiores sojeiros do mundo, Blairo Maggi, declarou recentemente no programa A voz do Brasil que “o Brasil já fez muito pelo meio ambiente” e que uma flexibilização na legislação é necessária. Pasmem. Legislar em causa própria parece ser algo corriqueiro no Brasil. Vide outro patrimonialista convicto: Renan Calheiros. Como sabemos, caso aprove a lei de “abuso de autoridade”, ele espera diminuir o próprio fardo que carrega com uma dezena de inquéritos devidamente travados no Supremo Tribunal Federal (STF).
Medidas impopulares – não eleitoreiras – e de longo prazo devem ser tomadas por gestores verdadeiramente públicos. Gestores altruístas que pensem no legado que deixarão às futuras gerações. Mas, para que isso ocorra, é necessário que uma mudança cultural aparentemente em curso não se arrefeça. Precisamos acabar com nossa ojeriza a questões políticas. As redes sociais e a imensa participação popular nas ruas demonstraram que, sim, podemos ter esperanças.
Num futuro breve, estudar o ano de 2016 – “o ano que não queria acabar” – será obrigatório para entender o Brasil. De todos os acontecimentos chocantes e tristes que presenciamos, houve um alento: a Lava Jato nos mostrou que é possível mudarmos o Brasil ao invés de nos mudarmos dele. Vamos à luta!
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