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| Foto: Roberto Custodio/Gazeta do Povo

Em maio de 2012, o Conselho de Direitos Humanos da ONU recomendou ao Brasil o fim da militarização das suas polícias. Pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgada em julho de 2014 e que entrevistou mais de 21 mil policiais em todo o Brasil, mostrou que 73,7% deles são a favor as desvinculação do Exército, 76,1% deles defenderam a desmilitarização e 93,6% disseram que é preciso modernizar os regimentos e códigos disciplinares. Em entrevista ao jornal O Dia, o secretário de Segurança Pública mais longevo do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, que coordenou naquele estado o programa mais exitoso na área de segurança pública nos últimos tempos, também se manifestou favorável à desmilitarização.

Episódios como aquele em que a Justiça do Rio Grande do Norte concedeu habeas corpus ao soldado da PM João Maria Figueiredo da Silva, preso administrativamente por 15 dias por questionar em uma rede social o modelo de polícia no Brasil, mostra que esse debate é irreversível. Na postagem que ensejou a punição, o soldado asseverou: “temos uma polícia que se assemelha a jagunços”.

Desmilitarizar a polícia não significa desarmá-la, nem muito menos acabar com ela

Infelizmente, no Brasil, esse debate tem sido permeado de muita hipocrisia, demagogia e desinformação, insuflada por interesses e influências menores de uma pequena casta de privilegiados dentro do militarismo, que não querem perder suas regalias institucionalizadas. A discussão há de ser muito mais profunda, livre de interesses classistas e institucionais, tendo como objetivo o interesse coletivo. Como mostraram os índices da pesquisa realizada entre os policiais, esse não é um debate contra a polícia, como alguns maldosamente tentam colocar, mas sim a favor da polícia e da sociedade.

Dentre os muitos mitos que precisam ser desmistificados estão a confusão que faz entre a relação de desmilitarização com desarmamento da polícia, que nem de longe se confundem, e a defesa que se faz da relação de hierarquia e disciplina entre comandante e subordinado, tão necessárias para o “controle da tropa”. Como é sabido, hierarquia e disciplina existem e são bases de toda estrutura administrativa, seja ela civil ou militar. Para citar um exemplo, a Polícia Rodoviária Federal, que tão bem tem desempenhado seu papel, é uma polícia forte, armada, de caráter ostensivo, e nem por isso é militarizada, e isso não faz que seus dirigentes percam o controle sobre ela, pois seus membros são seres racionais e servidores públicos cientes de seus deveres e responsabilidade, sujeitos a controles internos e externos de responsabilidades cível, administrativa e criminal.

Desmilitarizar a polícia não significa desarmá-la, nem muito menos acabar com ela. Não há ainda, no atual estágio de evolução civilizatória, Estado Democrático de Direito efetivo sem uma polícia ostensiva forte, protetora e garantidora de dos direitos, garantias e liberdades de seus cidadãos. Todavia, são cada vez mais raros no mundo os países que adotam o modelo militarizado como o nosso. E o motivo é simples: a doutrina militar historicamente foi criada para defesa de território, governos e seus governantes; na lógica militar, o adversário é sempre um inimigo a ser abatido. Esse modelo se mostrou, ao longo do tempo, defasado no que tange ao policiamento comunitário, e episódios como a “noite de terror” ocorrida em Londrina em janeiro deste ano mostram como sentimos cada vez mais perto os efeitos desse modelo equivocado. Precisamos cada vez mais de uma polícia que defenda a sociedade, seus cidadãos, e não apenas o Estado e seus detentores de poder.

Importante salientar que esse não é um debate pronto, acabado; é um debate em construção e que precisa ser discutido e desenvolvido não só dentro das polícias, mas também com a sociedade, governos, parlamentares, estudiosos, acadêmicos e a imprensa, sempre cumprindo sua responsabilidade social de fomento das discussões de relevância para o país. Não se tem aqui a pretensão de exaurir os argumentos, mas apenas a intenção de contribuir com o debate e para que ele ocorra, antes que seja tarde demais.

Pedro Filipe C. C. de Andrade é delegado de polícia, professor da Escola Superior de Polícia Civil do Paraná, assessor jurídico da Associação dos Delegados de Polícia do Paraná, graduado em Direito e pós-graduando em Gestão da Segurança Pública pela ESPC-PR e em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional.
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