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 | Albari Rosa/Gazeta do Povo
| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

O atual drama que São Paulo vive com a chamada Cracolândia é algo bastante triste e preocupante. O que devemos fazer para que as nossas cidades não cheguem a esse ponto? Será que a droga e o dependente químico, isoladamente, são os únicos problemas? O combate às drogas sempre foi um tema exaustivamente abordado e discutido nas mídias, mas será que estamos atuando de maneira adequada e, mais importante, será que estamos percebendo este assunto de maneira adequada?

Por exemplo, a base para a afirmativa de que drogas viciam com apenas uma utilização provém de experiências feitas nos anos 1960 e 1970. Nelas, animais de laboratório tinham acesso ilimitado a substâncias como cocaína e metanfetamina. Bastava o acionamento de uma alavanca para que os indivíduos recebessem injeções intravenosas da droga e, em muitos casos, estes o faziam até a morte.

Muitos dependentes químicos têm o desejo e a vontade de deixar as drogas

Esses primeiros experimentos confirmavam a ideia da busca da droga a qualquer custo, mas a história não contada é a de que as gaiolas não continham nada além da alavanca, ou seja, nenhuma outra opção para o animal. Em diferentes experimentos, quando os animais tinham uma escolha entre a droga e alternativas atraentes, como brinquedos, parceiros sexualmente receptivos ou guloseimas, não se constatava a autoadministração de drogas até à morte, mas sim a escolha das alternativas sobre os entorpecentes.

Atualmente, diversos estudos com seres humanos apontam para esse mesmo fato. Quando viciados crônicos são levados a escolher entre uma dose de determinada substância ou uma alternativa atraente, estas pessoas tendem a escolher a alternativa. Isso nos mostra que as drogas em si não são o único problema, não há uma estrada sem volta. Muitos dependentes químicos têm o desejo e a vontade de deixar as drogas; contudo, por mais que consigam acesso a tratamentos, faltam-lhes alternativas para que sejam de fato reinseridos na sociedade, provocando, em muitos casos, a recaída do indivíduo.

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Portanto, nota-se que fatores como a desigualdade social, a pobreza, o desemprego, a falta de infraestrutura, a aplicação seletiva de leis, a ignorância e a negação da ciência sobre o tema contribuem tanto ou mais para a manutenção e ampliação desse ciclo vicioso.

Mais que ações repressivas e punitivas, o combate às drogas exige ação conjunta entre Estado, academia e sociedade. Políticas públicas, medidas protetivas, divulgação científica, educação e inclusão, ao que tudo indica, parecem ser o caminho adequado desta jornada. Como cientista e gestor, buscamos fazer nosso melhor para diminuir a ignorância neste assunto, disseminando a ciência e desenvolvendo medidas diretas e indiretas de ação. Está na hora de somarmos esforços para não só combatermos as drogas, mas, principalmente, compreendê-las.

Flavio Tincani, biólogo, é doutor em Ecologia e Conservação e consultor independente. João R. Iensen, gestor público, é diretor do Departamento Estadual de Políticas Públicas Sobre Drogas.
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