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Neste mês, faz cinco anos que um terremoto abalou o Haiti. Segundo a ONU, o mesmo foi implacável: matou mais de 200 mil pessoas, deixou perto de 1,5 milhão de desabrigados e agudizou ainda mais a crise humanitária do país. Contudo, apesar de o sismo ter sido devastador, a tragédia no país é anterior ao terremoto, e continua assim, passados anos do mesmo. Por isso, o Haiti, há tempos palco de várias operações de paz da ONU, nos leva a questionar o modo como estas atuam no terreno. Isso interessa bastante ao Brasil.

A ONU envolve-se com o Haiti desde 1990, quando foi chamada a observar a realização de eleições no país. Em 1993, a ONU enviou a primeira operação de paz ao Haiti. De lá para cá, foram cinco, sendo a Missão de Estabilização da ONU no Haiti (Minustah, na sigla em inglês) a mais emblemática. Seu foco é claro: a mera estabilização do país. Este é, evidentemente, um foco bastante míope considerando a trágica realidade da população haitiana.

Em junho deste ano, a Minustah completará dez anos. Um olhar minimamente atento revela poucas razões para comemorar. Isso é notório em diferentes esferas. Politicamente, o país continua bastante instável. Vive um nó político desde 2011, quando deveriam ter sido realizadas eleições legislativas e locais. Esse nó não somente paralisa o país como levou à renúncia do primeiro-ministro Laurent Lamothe no mês passado. Um claro sinal da instabilidade política: apesar de ter ficado meros 31 meses no cargo, Lamothe passou para a história haitiana como aquele que mais tempo permaneceu no posto.

Econômica e socialmente, a situação é gravíssima. O Haiti é o país mais pobre das Américas e segue sem grandes perspectivas de sair dessa posição em breve. O último Relatório do Desenvolvimento Humano, publicado pela ONU, evidencia outra face da dramática realidade haitiana. O país está em 168.º (de 187) no Índice de Desenvolvimento Humano e o seu índice pouco se alterou: de 0,433 (em uma escala de 0 a 1) em 2000, foi para 0,471 em 2013. Mesmo em termos securitários, o país não é dos mais estáveis, e não raramente é palco de ondas de violência.

Tudo isso interessa ao Brasil. Umbilicalmente ligado à Minustah, o país depende da forma como a mesma é percebida. Isto afeta a atuação do país na esfera da paz e segurança internacionais e, consequentemente, a participação do Brasil como um ator relevante no cenário internacional. Não por acaso, frequentemente observa-se um discurso de que a atuação brasileira é um sucesso. A pergunta que fica é: sucesso para quem? Para os haitianos, dificilmente o é. Estes tentam de todos os modos sair do país buscando, inclusive, abrigo no Brasil. Até neste ponto a ação do Brasil é questionável, pois é bastante difícil conseguir um visto brasileiro e a inserção dos haitianos no país não é nada simples.

O Haiti é um claro exemplo de que é preciso repensar a atuação das operações de paz. Enquanto a lógica for meramente estabilizar zonas da periferia internacional entendidas como turbulentas, as operações de paz continuarão sendo muito limitadas. É preciso que a melhora significativa da qualidade de vida das populações em questão, tendo em conta suas próprias perspectivas, seja o centro da ação. O Brasil poderia contribuir nesta mudança. Infelizmente, o país ainda está longe de buscar sua própria atuação nesses termos.

Ramon Blanco, doutor em Relações Internacionais, é professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila).

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