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Nessa terça-feira, dia 13, uma parte da sociedade brasileira comemorou os 20 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Muito se tem falado sobre os avanços e conquistas do ECA, mas o que pensa a outra parte da sociedade?

Apesar de ainda existir desconhecimento sobre o Estatuto, é difícil cobrar maior envolvimento do "cidadão comum" quando o desconhecimento também atinge representantes de instituições componentes da rede de proteção da infância.

Ainda é comum tratar "crianças e adolescentes" rotulando-os simplesmente como "menores, "marginais" ou "delinquentes".

É lamentável, mas existe uma parcela da população, incluindo muitos formadores de opinião, que ainda permanece sem convite para a "festa" dos 20 anos do Estatuto.

Mas, afinal, qual seria a importância de uma simples nomenclatura diante dos crimes hediondos que já foram praticados por diversos "menores-delinquentes"?

Para muitos, não há importância alguma, justamente pelo fato de estarmos frequentemente submetidos e condicionados a debates superficiais a respeito de assuntos que deveriam ser prioridade.

Frente à criminalidade, geralmente, o caminho mais curto é de propostas imediatistas e paliativas, como a redução da maioridade penal. Para atender ao anseio de uma parcela da população que não conhece o Estatuto, é mais fácil propor a prisão de adolescentes em vez de procurar as causas pelas quais um jovem chega ao ponto de cometer um crime.

No calor das discussões, geralmente potencializadas por crimes exaustivamente divulgados, muitas vozes se levantam e manifestam o senso comum: "E se o crime fosse contra a sua família, o que você faria?"; "Por que o Estatuto protege esses jovens?"; "Por que esses jovens não procuram um trabalho?"; "Por que essas mães engravidam tanto?"; "Por que a família não cuidou?"... Enfim, não faltam argumentos para nos manter em nossa zona de conforto.

Por outro lado, também se levantam vozes para explicar que os crimes são cometidos contra a sociedade, isto é, contra nós mesmos. Infelizmente, somos parte da mesma sociedade que subtraiu os principais direitos de muitas crianças e adolescentes – pessoas que não puderam viver a sua infância com segurança e dignidade. Mesmo sem querer admitir, somos e seremos responsáveis.

Se nos colocássemos, mesmo que momentaneamente, no lugar de uma criança que cresceu tendo como referência a violência, o abuso sexual, a negligência, o uso de drogas e outras formas de criminalidade, como sobreviveríamos?

Será que conseguiríamos (nós ou nossos filhos) passar por uma série de violações de direitos e ainda permanecer intactos, honestos e íntegros? Bem, a regra de quem nasce sem oportunidade e cresce submetido à violência é a prática da violência. Há exceções, mas, em termos gerais, como alguém pode dar o que não conhece? De que forma uma criança que nunca recebeu amor saberá dar amor?

Da mesma forma, algumas crianças crescem com afeto e oportunidade, mas acabam na criminalidade. Contudo, a regra é a mesma: quem nasce com oportunidade e cresce com amor provavelmente saberá compartilhar o amor....

Portanto, foi com o intuito de garantir para todas as crianças e adolescentes brasileiros o direito a uma vida digna que, ao longo desses 20 anos, o Estatuto contabilizou conquistas e polêmicas. Entretanto, outro papel do Estatuto também envolve a cobrança dos deveres inerentes a todas as crianças e adolescentes. Essa parte, infelizmente, ainda é desconhecida da maioria.

Diante desse contexto é possível afirmar que não há como entender o Estatuto sem ler, refletir e problematizar situações e soluções com base no seu conteúdo. Todas as pessoas que possuem filhos ou mantêm contato com crianças e adolescentes deveriam conhecer os direitos e os deveres previstos nesta importante lei.

Enquanto não for amplamente discutido nas universidades, nas escolas, no terceiro setor e nas famílias, o Estatuto continuará como alvo das críticas daqueles que necessitam justificar a sua incapacidade de lidar com as demandas das novas gerações.

Da mesma forma, enquanto a sociedade não converter em prática o discurso da infância como prioridade absoluta, continuaremos com um contingente de crianças e adolescentes nas ruas que serão alvo do nosso preconceito e da nossa incapacidade de assumir coletivamente a responsabilidade.

Que os próximos 20 anos sejam ainda melhores!!!

Rodrigo Reis Navarro, mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná, é presidente da diretoria-executiva da Chácara Meninos de 4 Pinheiros

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