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Eduardo Bolsonaro, deputado federal e filho do presidente Jair Bolsonaro.
Eduardo Bolsonaro, deputado federal e filho do presidente Jair Bolsonaro.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Em meados de maio, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho de Jair Bolsonaro e presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, deu algumas declarações polêmicas sobre a possibilidade do Brasil ter a posse de uma bomba nuclear. "Tem um colega do Paquistão aqui, não tem? Como é que é a relação do Paquistão com a Índia se só um dos lados tivesse uma bomba nuclear? Será que seria da mesma maneira que é hoje? Óbvio que não. Quando um desenvolveu a bomba nuclear, o outro desenvolveu no dia seguinte. E ali está selada ao menos minimamente uma espécie de paz. Eu sou entusiasta dessa visão", afirmou.

A ideia que relembrada por Eduardo tem arcabouço teórico e político. Hans Joachim Morgenthau, um dos pioneiros no estudo sobre o realismo no campo das relações internacionais, em busca de orientar a política externa dos EUA no pós-guerra, acreditava que as grandes lideranças políticas deveriam levar em conta o poder político e destrutivo que o desenvolvimento de tecnologia nuclear poderia gerar. Kenneth Waltz, um dos fundadores do que se chama de neorrealismo, defendeu que o Irã obtenha a sua própria bomba nuclear. Segundo Waltz, as armas nucleares são as maiores promotoras da paz que o mundo já conheceu, e elas teriam tornado as guerras praticamente impossíveis.

O que ganharíamos com a construção de uma bomba atômica? Estamos em iminência de guerra? Quem precisamos dissuadir?

Também no Brasil políticos já haviam proposto a posse de armas nucleares. Enéas Carneiro, que foi deputado e candidato a presidente da República, defendeu a construção de uma bomba atômica “não para ser usada, mas para que o Brasil se imponha diante da comunidade internacional”. Nacionalista, Enéas defendia uma ruptura com o sistema financeiro internacional. Outro caso bastante emblemático é o de Ernesto Geisel, que foi presidente entre 1974 e 1979, durante a ditadura militar. De acordo com um documento secreto do Estado-Maior das Forças Armadas, divulgado nesta década, Geisel teria pedido aos militares que iniciassem a ideia de construção de uma bomba nuclear. Ele estava preocupado com um teste nuclear que fora feito pela Índia e com a possibilidade de a Argentina iniciar testes nucleares. Em 1995, o ex-presidente negou tudo: “Não houve tentativa nenhuma de se fazer arma nuclear. O que se pensou foi a geração de energia. Qual o interesse do Brasil em se fazer uma bomba atômica? O Brasil não tinha e não tem nenhum inimigo. Estava em paz, não tinha nenhuma reivindicação territorial", alegou. Fato é que, nos anos 70 e 80, Brasil e Argentina iniciaram uma espécie de corrida armamentista para desenvolverem suas próprias bombas nucleares. A criação da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (Abacc), que foi importante para a criação do Mercosul, veio para colocar panos quentes em qualquer tentativa neste sentido.

Presidentes de esquerda, como Getúlio Vargas, também incentivaram o desenvolvimento da capacidade nuclear nacional. Na campanha presidencial de 2002, o candidato José Serra acusou o ex-presidente Lula de ser a favor da construção de uma bomba atômica, dizendo que Lula seria contrário ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), assinado durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Lula defendia veementemente que o Irã pudesse utilizar tecnologia nuclear para fins pacíficos.

Mas desenvolver poderio nuclear traz várias dificuldades. Não é novidade para ninguém que o Brasil passa por um problema fiscal. Sem uma economia pujante, a possibilidade de desenvolvimento militar e nuclear se torna inviável. Onde o poderio militar supera o desenvolvimento econômico, como é o caso da Coreia do Norte, este poderio militar é usado para manter a ditadura.

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Além disso, de acordo com os princípios da nossa política externa, temos a proibição expressa do uso nuclear para fins militares. O artigo 21 da Constituição é outro impeditivo, quando trata de "explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições: a) toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional".

Caso houvesse suspeita de que o Brasil tivesse qualquer intenção nuclear, geraríamos desconfiança de nossos vizinhos, bem como a possibilidade de uma corrida nuclear regional, como ocorreu no passado entre Brasil e Argentina. E os Estados Unidos certamente colocariam sanções econômicas e políticas ao Brasil, uma vez que não é de interesse americano que outros países desenvolvam poderio nuclear. Qualquer ação neste sentido também geraria desgaste político perante a comunidade internacional e o Brasil não tem como gastar capital político e financeiro para essa empreitada.

Por fim, o que ganharíamos com a construção de uma bomba atômica? Estamos em iminência de guerra? Quem precisamos dissuadir? Essas são perguntas que apenas o governo brasileiro pode responder.

Renato Battista é coordenador do Movimento Brasil Livre, internacionalista e cientista político.

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