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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Na conta de chegada, todos somos a favor de uma infância saudável, aquela em que as crianças não têm o consumo como valor superior e substitutivo de outros. No entanto, se existe um exagero consumista, não só não será a proibição da publicidade que resolverá a questão, como a medida pode trazer efeitos indesejáveis.

O fato é que proibir é ineficaz. Um dos raros lugares do mundo onde se proibiu a publicidade dirigida à criança é a província do Quebec, no Canadá. Após a proibição, o que aconteceu com o mercado de brinquedos? Nada. Continuou crescendo como antes. As pessoas não compram mais ou menos por causa de ações publicitárias – a publicidade faz com que as pessoas escolham marcas. Em geral, comprar menos ou mais diz respeito à economia: crescimento do PIB, taxa de juros, taxa de desemprego, igualdade de renda. Em um país em crescimento, tudo tende a vender mais – inclusive aquilo que não se anuncia. Em um país em recessão, tudo tende a vender menos – no máximo, a publicidade irá fazer com que uma marca tenha preferência sobre outra, mas o segmento como um todo encolhe.

A melhor forma de educação não é a censura do mundo (o que é inútil, pois impossível), mas mediá-lo de forma crítica

Alguém poderia supor que foi a publicidade que fez com que as pessoas, desde crianças, fossem manipuladas para o consumismo e assim surgiu a sociedade do consumo. Mas isso também é falso: a antropologia do consumo prova, com facilidade, que o impulso ao consumo é universal e ancestral, anterior ao capitalismo. Foi este impulso ancestral que motivou a revolução industrial – publicidade e consumismo são os efeitos (e não a causa) de um fenômeno muito mais antigo e complexo do que certo senso comum supõe.

A regulamentação brasileira já é rigorosa. Assim como a maioria dos países desenvolvidos, no Brasil também cabe principalmente a um modelo de autorregulamentação (o Conar) a definição dos limites éticos da publicidade. Um estudo comparativo recente do Conar mostra que o Brasil está entre os países mais rigorosos na regulamentação da publicidade dirigida à criança.

Além disso, a publicidade patrocina o conteúdo de qualidade. Potencialmente, o fim da publicidade dirigida à criança pode ser também o fim, digamos, da Turma da Mônica e dos canais televisivos com programação para crianças.

Tudo isso sem falar da liberdade de expressão. Para muitos juristas, como o ministro do STF Luís Roberto Barroso, um dos problemas da proibição da publicidade dirigida à criança é o do paternalismo autoritário do Estado. Nas mídias, as crianças não são expostas somente ao consumo, mas também à violência e à pornografia. Se é necessário proibir a publicidade, por que não teríamos de proibir toda mídia, uma vez que toda mídia tem conteúdo impróprio para menores? Vale lembrar que a cultura da proibição, além de autoritária, pode ter efeito reverso. Uma pesquisa do Google mostra que, dos oito países que mais buscam pornografia na web, seis são muçulmanos, justamente onde a pornografia é censurada pelo Estado.

O consumo está em todo lugar: nas vitrines, no comportamento dos pais, nas embalagens, no cinema, nas ruas. A publicidade é parte de um todo muito maior. Educar para um consumo responsável e sustentável é tarefa de todos. E a melhor forma de educação não é a censura do mundo (o que é inútil, pois impossível), mas mediá-lo de forma crítica. Nesta mediação, cabe aos pais frustrar o desejo de consumo dos filhos, algo que vem sendo negligenciado por muitos, e é uma das causas de consumo desenfreado entre as crianças.

André Tezza, mestre em Filosofia pela UFPR, é professor de Ética e Legislação Publicitária na Escola de Comunicação e Negócios da Universidade Positivo.
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