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Imagem ilustrativa.| Foto: Pixabay

Como se previsse o futuro difícil que se avizinhava, em outubro de 2019 o governo federal editou a MP 899, que possibilitou a transação para os débitos da União, suas autarquias e fundações. Convertida na Lei 13.988/2020, finalmente a transação, prevista no artigo 171 do Código Tributário Nacional (CTN) como uma das modalidades de extinção do crédito tributário, foi implementada, ao menos para os créditos federais. A modalidade, que muito contribuiu para a retomada econômica do país, permite a todos, União e contribuintes, adequarem uma solução para a saúde financeira em um momento de grave crise social. E, nessa condição, estão também os clubes de futebol brasileiros.

Cinco décadas se passaram desde a previsão da transação tributária no CTN, em uma demora que possibilitou a maturação do instituto por meio da superação de antigos dogmas doutrinários, como o da indisponibilidade do crédito público, e de uma nova formação de agentes públicos, em especial de procuradores da Fazenda Nacional, que se afastaram da eterna dicotomia público x privado e passaram a motivar-se pela consensualidade e pela eficiência na cobrança do crédito da estratosférica dívida ativa da União federal.

Fundados nos estudos da Receita Federal que sugeriram que os parcelamentos extraordinários instituídos ao longo dos últimos anos não alcançaram grande efetividade, e considerando a experiência estrangeira em soluções alternativas aos conflitos tributários, especialmente a americana, a MP foi redigida de forma a propiciar segurança jurídica para os servidores públicos no gerenciamento e controle dos créditos inscritos na dívida tributária da União, de modo a formalizar acordos para recuperação de créditos, ganhando em efetividade a partir de soluções diferenciadas que considerem a realidade individual de cada contribuinte, estimulando, portanto, um ambiente de consensualidade em vez da litigiosidade que antes imperava.

Fruto desse novo pensar, foi publicada em abril do corrente ano, em meio a um cenário então devastador e de total insegurança quanto ao futuro do país, a Lei 13.988/2020. No mesmo dia em que publicada a lei, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional publicou a Portaria 9.917, com a previsão dos procedimentos, requisitos e condições para a realização das modalidades de transação previstas na lei, destacando-se a transação individual por proposta do devedor inscrito em dívida ativa da União, para débitos de valor superior a R$ 15 milhões, que se encaixa perfeitamente no ambiente de consensualidade dinâmica desenhado pelo governo federal e tão necessário nos tempos atuais, em que enfrentamos todos, pessoas jurídicas e físicas, as mazelas da pandemia de Covid-19. É uma realidade que fala por si!

Com os clubes de futebol assolados por dívidas tributárias e com receita decrescente em razão das imposições de isolamento social, a transação tributária é um socorro para sua notória má saúde financeira, podendo saná-la, permitindo o renascimento dessas associações como verdadeiras empresas, voltadas para uma eficiente administração que as afaste desse histórico de descompromisso com a regularidade financeira e fiscal. Devemos festejar, portanto, as transações recentemente celebradas pelos clubes do Corinthians e do Cruzeiro.

No início de setembro, a PGFN divulgou em seu site a transação tributária com o Sport Club Corinthians Paulista, no valor de R$ 142,7 milhões, na modalidade transação excepcional, válida para dívidas de até R$ 150 milhões e disponível para adesão até 29 de dezembro de 2020, segundo a Portaria 14.402/2020. Segundo dados divulgados, o Corinthians tem um débito tributário com a União federal de R$ 737,7, sendo que, desse montante, R$ 597 milhões permanecem em discussão porque o clube afirma ser isento do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) em razão do disposto no artigo 15 da Lei 9.532/1997.

De maior relevo, e divulgada em 23 de outubro no site da PGFN, a transação individual realizada a partir de proposta do Cruzeiro Esporte Clube possibilitou ao clube equacionar um passivo de R$ 334 milhões, com redução de 54%, e pagamento de R$ 182 milhões ao longo de 12 anos.

Ainda há outros times com dívidas de alto valor, em especial em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. Alguns firmaram a transação extraordinária, como é o caso de Botafogo e Coritiba, para equacionar parte de seus débitos, mas a maior consensualidade será obtida com proposta de transação individual, que permitirá sanar todo o passivo tributário e recomeçar uma nova era de sanidade financeira e fiscal.

Com altas dívidas fiscais que se prolongam por décadas, a proposta consensual de resolução de conflitos pode estar em risco no caso dos clubes de futebol porque está em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei 1.646/2019, que indicará os critérios para a caracterização do devedor contumaz, para o qual a Lei 13.988/2020, no artigo 5.º, inciso III, afasta a possibilidade da transação. Se prevalecerem os critérios do projeto de lei, os clubes de futebol não mais poderão realizar esse tipo de negociação.

A partida está em momento crucial de definição do seu placar e cabe aos agentes desse importante jogo democrático realizarem o seu papel para o desenvolvimento do bem-estar comum do país. Segundo a FGV, os clubes de futebol geram 371 mil empregos diretos, indiretos e induzidos. São números cruciais para a vitória da economia brasileira.

Eduardo Muniz Cavalcanti é advogado tributarista.

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